Estabilidade
no emprego não impede assédio moral e sexual contra servidor público
O
assédio moral, mais do que apenas uma provocação no local de trabalho – como
sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é uma campanha psicológica com o
objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. Ela é submetida a difamação,
abusos verbais, agressões e tratamento frio e impessoal.
A
definição integra uma decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
de relatoria da ministra Eliana Calmon, em um dos muitos casos de assédio moral
contra servidores públicos que chegam ao Poder Judiciário.
Quando
o ambiente profissional é privado, a competência para jugar casos de assédio é
da Justiça do Trabalho. Se ocorre em órgão público, a jurisdição é da Justiça
comum – estadual ou federal –, tendo o STJ como instância recursal.
Embora
trabalhadores da iniciativa privada sejam mais vulneráveis a esse tipo de
abuso, a estabilidade no emprego dos servidores públicos não impede o assédio,
seja moral ou sexual.
A
Lei 10.224/01 introduziu o artigo 216-A no Código Penal, tipificando o assédio
sexual como crime. A pena prevista é de detenção de um a dois anos, aumentada
de um terço se a vítima for menor de idade.
Já
o assédio moral, embora não faça parte expressamente do ordenamento jurídico
brasileiro, não tem sido tolerado pelo Judiciário. Mas, tanto em um caso como
em outro, nem sempre é fácil provar sua ocorrência. Confira a jurisprudência
mais recente do STJ sobre o tema, em casos de assédio julgados pela Corte nos
últimos três anos.
Improbidade
administrativa
O
STJ já reconheceu que assédio moral e sexual são atos contrários aos princípios
da administração pública e sua prática se enquadra como improbidade administrativa.
Em
julgamento realizado em setembro passado, a Segunda Turma tomou uma decisão
inédita na Corte Superior: reconheceu o assédio moral como ato de improbidade
administrativa. No caso, foi demonstrado que o prefeito de uma cidade gaúcha
perseguiu servidora que denunciou problema com dívida do município ao
Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Segundo
o processo, o prefeito teria colocado a servidora “de castigo” em uma sala de
reuniões por quatro dias, teria ainda ameaçado colocá-la em disponibilidade,
além de ter concedido férias forçadas de 30 dias. Para a relatora do caso,
ministra Eliana Calmon, o que ocorreu com a servidora gaúcha foi um “caso
clássico de assédio moral, agravado por motivo torpe”.
Seguindo
o voto da relatora, a Turma reformou a decisão de segundo grau, que não
reconheceu o assédio como ato de improbidade, e restabeleceu integralmente a
sentença que havia condenado o prefeito à perda dos direitos políticos e multa
equivalente a cinco anos de remuneração mensal à época dos fatos (REsp
1.286.466).
Assédio
sexual
Em
outro processo, a Segunda Turma manteve decisão da Justiça catarinense que
condenou um professor de matemática da rede pública estadual à perda do cargo
com base na Lei 8.429/92, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Ele foi
acusado de assediar sexualmente suas alunas em troca de boas notas.
A
condenação foi imposta com base no artigo 11 da LIA, segundo o qual “constitui
ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. A
jurisprudência estabelece ser necessária a presença de dolo na conduta para que
ocorra o enquadramento nesse artigo.
Segundo
o relator, ministro Humberto Martins, o dolo foi claramente demonstrado, pois o
professor atuou com intenção de assediar as alunas e obter vantagem indevida em
função do cargo que ocupava, “o que subverte os valores fundamentais da
sociedade e corrói sua estrutura”.
Perseguição
política
Uma
orientadora educacional pediu na Justiça indenização por danos morais alegando
ter sido transferida de cidade por perseguição política do chefe. O pedido foi
negado em primeira e segunda instância, por não ter sido comprovado o nexo de
causalidade entre a conduta discricionária da administração e os danos morais
que a autora disse ter sofrido.
No
recurso ao STJ, a servidora alegou omissões e contradições na análise das
provas do assédio moral. O relator, ministro Benedito Gonçalves, verificou que
a decisão de segundo grau observou o fato de que a transferência da servidora
foi anulada por falta de motivação, necessária para validar atos da
administração. Contudo, não houve comprovação da prática de perseguição política
ou assédio moral.
Ainda
segundo os magistrados de segundo grau, não há definição comprovada das causas
que desencadearam a ansiedade e a depressão alegadas pela orientadora
educacional. Uma testemunha no processo afirmou que não percebeu nenhum tipo de
perseguição da atual administração em relação à autora e que nunca presenciou,
nem mesmo ficou sabendo, de nenhuma ofensa praticada pela secretária de
educação em relação à servidora.
“Ao
que se pode perceber do trecho do depoimento em destaque, não se conhece a
prática de atos de perseguição política ou de assédio moral, de sorte que as
doenças de que foi acometida a autora não podem ter suas causas atribuídas ao
município”, concluiu a decisão.
Considerando
que o tribunal de origem se manifestou sobre todas as questões relevantes para
a solução da controvérsia, a Primeira Turma negou o recurso da servidora. Até
porque, para alterar a decisão, seria necessário o reexame de provas, o que é
vedado em julgamento de recurso especial pela Súmula 7 do STJ (AREsp 51.551).
Estágio
probatório
Aprovado
em concurso para o Tribunal de Justiça de Rondônia, um engenheiro elétrico foi
reprovado no estágio probatório e foi à Justiça alegando ter sido vítima de
assédio moral profissional. Em mandado de segurança contra ato do presidente da
corte e do chefe do setor de engenharia, ele alegou que suas avaliações foram
injustas e parciais, e apontou vícios no processo administrativo e no ato de
exoneração do cargo.
Para
a ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em mandado de segurança analisado
pela Quinta Turma, o engenheiro não conseguiu demonstrar, com prova documental
pré-constituída, a existência de qualquer fato ou conduta dos superiores
capazes de caracterizar o assédio.
Quanto
à alegação do engenheiro de que suas avaliações de desempenho no estágio
probatório não foram realizadas por uma comissão, a ministra ressaltou que a
jurisprudência do STJ entende que essa avaliação deve ser feita pela chefia
imediata do servidor, pois é a autoridade que acompanha diretamente suas
atividades.
Segundo
a relatora, o Estatuto do Servidor (Lei 8.112/90) dá ao funcionário público o
direito de submeter a avaliação de sua chefia ao crivo de uma comissão. No
caso, contudo, o engenheiro não se insurgiu contra nenhuma das cinco primeiras
avaliações realizadas por seu superior hierárquico.
Além
disso, mesmo sem ter sido acionada pelo servidor, a comissão interveio
espontaneamente, por duas vezes, no processo de avaliação, devido às notas
abaixo da média. Ao final do estágio probatório, essa comissão emitiu parecer
conclusivo sobre a média final do servidor. Por essas razões, o recurso foi
negado (RMS 23.504).
Excesso
de trabalho
Oficiais
de Justiça do estado de São Paulo alegaram que sua excessiva carga de trabalho
configurava assédio moral. Argumentaram que, além de estarem submetidos a um
volume de trabalho “muito acima do razoável” na 1ª e 2ª Varas da Comarca de
Leme, o presidente do tribunal paulista determinou que eles exercessem suas
funções cumulativamente, por tempo determinado, com as da 3ª Vara da mesma
localidade, sem prejuízo das obrigações originais e em horário normal de
trabalho.
Segundo
os servidores, a prorrogação do acúmulo de funções seria ilegal e abusiva,
configurando assédio moral e trabalho extraordinário sem a devida contrapartida
financeira. Eles apontaram a carência de servidores e queriam a realização de
concurso público.
A
ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em mandado de segurança dos
servidores, considerou que não foram comprovadas – com prova documental
pré-constituída – a existência de assédio moral, nem a prestação de serviço
extraordinário sem a devida remuneração. Quanto ao concurso público, ela disse
que sua realização é prerrogativa exclusiva da administração.
“Por
fim, é de ser ressaltado que o ato impugnado não é abusivo, tampouco ilegal,
uma vez que, conquanto seja efetiva a cumulação de serviço, essa fixação teve
caráter temporário e precário, voltada, à toda evidência, a atender interesse
público relevante, qual seja: a garantia da prestação jurisdicional” – disse a
ministra no voto, acompanhado por todos os ministros da Quinta Turma (RMS
25.927).
Hora
de parar
Quando
o Judiciário não reconhece – de forma bem fundamentada – a ocorrência do
assédio, insistir no assunto pode ter resultado ruim para quem acusa. Exemplo
disso foi o julgamento de um agravo regimental no agravo em recurso especial
pela Quarta Turma.
Essa
sequência de instrumentos processuais revela o inconformismo da autora. Depois
de a ação de indenização por danos morais ter sido frustrada em primeira
instância, o Tribunal de Justiça negou a apelação da autora e não admitiu que o
recurso especial fosse levado ao STJ. Os magistrados do Rio Grande do Sul
entenderam que ela não conseguiu provar que o réu tivesse praticado qualquer
atitude desrespeitosa contra si.
Mesmo
assim, a autora entrou com agravo pedindo diretamente à Corte Superior que
analisasse o caso, o que foi negado monocraticamente pelo relator. Após, ela
apresentou agravo regimental para levar o pleito ao órgão colegiado. Resultado:
foi multada por apresentar recursos manifestamente sem fundamento.
A
autora acusou um médico de tentar beijá-la à força. Como provas do assédio
sexual, disse que foi vista chorando no posto de enfermagem e que o médico, seu
superior hierárquico, estava no hospital no momento do fato.
Dez
testemunhas foram ouvidas. Algumas confirmaram o choro, mas ninguém viu o
suposto contato físico. Outras afirmaram que o médico tem comportamento normal
e que suas demonstrações de afeto não têm conotação sexual. Além disso, a
própria autora foi vista no dia anterior do suposto beijo forçado
aproximando-se por trás do colega de trabalho e dando-lhe um beijo no rosto e
um doce. “O hospital é ambiente propício para fofocas”, disse uma testemunha.
Para
os magistrados gaúchos, não há prova razoável de que o médico tenha cometido o
assédio. “Não se desconhece que em casos dessa natureza deve haver uma
valoração especial da palavra da vítima. Todavia, a versão da autora deve ser
cotejada com o contexto probatório”, concluiu a decisão que foi mantida pelo
STJ (AREsp 117.825).
Fazer
uma denúncia falsa de assédio sexual – que é crime previsto no Código Penal –
pode ser ainda pior, pois configura denunciação caluniosa, que também é crime.
O delito consiste em dar causa à instauração de investigação policial, processo
judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe ato ilícito de que o sabe inocente.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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