sábado, 19 de outubro de 2013

NOTÓRIO SABER JURÍDICO


Foi retirada a névoa que cercava a montanha na qual se encastelava o poder judiciário, sempre inatingível e distante dos reles mortais. Parecia para todos nós ser o único poder sem máculas até que para nossa surpresa, descobrimos que também ele é utilizado para que alguns de seus membros possam obter destaque na mídia de maneira desproporcional, tentando utilizar tal visibilidade para se apropriarem de quinhões de poder cada vez maiores.

Não, aquela imagem que tínhamos de senhores doutos, sisudos, de vida estóica, quase espartana, dedicados tão somente às questões de distribuir justiça, nem sempre tem correspondência com verdade. Eles também são mortais muitas vezes em sua acepção mais rasteira e, a exemplo da maioria dos membros dos demais poderes, muitos deles estão ali para obter benesses exageradas e se glorificarem ás custas do suor do povo.

Descobri porque é que para atingir os cargos mais elevados do poder judiciário é exigido o denominado notório saber jurídico. Não, não é para melhor distribuir justiça e equidade. É para ter o cabedal cultural necessário para saber reinterpretar os textos legais com a clara finalidade de direciona-los à solução que lhes é exigida pelo sistema. Há que se ter cultura refinada para ter o instrumental retórico capaz de convencer a população do acerto de suas decisões.

E assim eu que sempre fui um denodado defensor do poder judiciário, acabei me desiludindo ao ver que aquele tribunal que deveria ser o grande guardião da justiça, proferindo suas decisões estritamente com bases jurídicas, muitas vezes acaba fazendo julgamentos políticos, ou seja, passando por cima de princípios do direito conquistados dura e lentamente através de séculos de história, para atingirem suas finalidades muitas vezes espúrias, eis que beneficiam apenas uma pequena aristocracia.

Ainda bastante jovem, minhas leituras me levaram à descoberta de que eu era um anarquista congênito. Anarquista no sentido de ser contrário a qualquer forma de poder institucional e não da forma pejorativa como é utilizada por parte daqueles que desconhecem o que é tal ideologia. É claro que tive que me dobrar e acabar aderindo à figura do Estado até porque se eu não o fizesse teria que me tornar um eremita e viver à margem de tudo e de todos. Mas hoje, vendo ruir toda e qualquer ilusão que eu poderia ter em relação aos pilares do poder, voltam a pulular em minha mente aquelas velhas idéias anarquistas e cresce cada vez mais dentro de mim uma aversão a este mero ente da razão que é o Estado, cuja única finalidade é servir de instrumento para espoliar o povo. 

De forma asséptica, sem sangue, mas ainda assim, espoliação. 


Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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