REINO DE ATAVUS. FILOSOFIA RÚSTICA
Ele vivia dizendo que, ao mesmo tempo em que lançava, também recebia do universo as pequenas partículas que mantinham seu corpo vivo, num constante processo de troca. Afirmava ainda que um dia essa relação cessaria definitivamente e sua massa corpórea iria se reintegrar definitivamente a esse mesmo universo.
Desiludido com a espécie humana, havia se tornado um tipo de ermitão, optando por um auto-isolamento, só tomando contato com outros homens na estrita medida da necessidade. Era um ateu convicto, eis que não aceitava estas soluções esdrúxulas e fantasiosas que o homem, inconformado com sua inferioridade diante dos demais seres e da finitude de sua vida, tenta compensar criando suas tão frágeis quanto complexas teorias religiosas. Dizia que seu único deus era o universo e que sua alma era a energia vital.
Ainda jovem, foi viver afastado de todos, bem perto de uma floresta com bastantes árvores, pedras e animais, coisas com as quais ele afirmava se harmonizar, eis que se considerava apenas um insignificante grãozinho, um pequeno e transitório fio condutor dessa grande energia vital que permeia todo o universo. Observador atento da natureza, concluiu que a grande luta dos seres vivos é justamente a de se erguer e manter-se acima da linha horizontal da terra. Qualquer ser vivo nasce rente ao chão, passa todo o seu ciclo de vida tentando erguer-se e manter-se acima dele até que finalmente, acaba sucumbindo e voltando a esse mesmo chão. A terra sempre vence, afirmava zombando dos que pretendem vida eterna em pretensos paraísos, edens, nirvanas, shangri-lás, valhalas ou coisas que o valham.
Ele somente utilizava sua força física para modificar a natureza naquilo que fosse necessário para continuar sobrevivendo. Se alguma outra forma de vida animal ou vegetal estivesse prestes a invadir sua esfera de sobrevivência, ele, em um primeiro momento, tentava repeli-la ou desviá-la. Caso isso não fosse possível, poderia chegar ao ponto até mesmo de sacrificá-la. Mas sempre dentro do limite da necessidade estrita.
Ocorre que o tempo passa inexoravelmente e cada ser vivo tem seu curto prazo de validade. O processo de renovação do corpo físico começa a se degradar e as forças vão faltando.
Com ele não seria diferente. Foi perdendo pouco-a-pouco a capacidade de lutar e a força da gravidade começou a vencê-lo, fazendo com que ele vivesse cada vez mais próximo do chão do qual ele tanto havia lutado para se afastar desde o nascimento.
Um dia, sentindo que não iria mais suportar por muito tempo e que seu ciclo estava prestes a terminar, com um misto de nostalgia e conformidade, eis que seu vaticínio estava se realizando finalmente, decidiu que seu fim deveria ocorrer próximo da maior quantidade possível de elementos que compõem o planeta em que vivia.
Arrastou-se com dificuldade até o riacho que ficava perto de sua morada, cercado de árvores e de animais. Ali, quedou-se já sem forças e sua mente aos poucos foi se apagando. Cautelosos, os animais de todos os portes foram se aproximando e servindo-se de pequenas porções de seu corpo. Ele ainda sentiu a ação dos dentes afiados, bicos de aves, pequenos insetos e outras tantas pequenas formas de vida que afloravam do seio da terra até que sua vida se esvaiu definitivamente.
Ao fundo, uma espécie de trilha musical produzido pelo ruído do riacho e do vento batendo nas copas das árvores, fazendo com que as folhas fossem caindo e cobrindo aquilo que ainda restava de seu corpo físico. O que não saciou a fome dos animais, com o tempo acabou coberto pela vegetação, até que finalmente o trabalho incessante do vento acabou de cobri-lo de terra.
Ele finalmente se reintegrava ao universo cumprindo exatamente aquilo que ele havia pregado durante toda a sua vida. Sem preces ou solenidades inúteis; apenas a natureza seguindo seu curso inexorável.
Ele vivia dizendo que, ao mesmo tempo em que lançava, também recebia do universo as pequenas partículas que mantinham seu corpo vivo, num constante processo de troca. Afirmava ainda que um dia essa relação cessaria definitivamente e sua massa corpórea iria se reintegrar definitivamente a esse mesmo universo.
Desiludido com a espécie humana, havia se tornado um tipo de ermitão, optando por um auto-isolamento, só tomando contato com outros homens na estrita medida da necessidade. Era um ateu convicto, eis que não aceitava estas soluções esdrúxulas e fantasiosas que o homem, inconformado com sua inferioridade diante dos demais seres e da finitude de sua vida, tenta compensar criando suas tão frágeis quanto complexas teorias religiosas. Dizia que seu único deus era o universo e que sua alma era a energia vital.
Ainda jovem, foi viver afastado de todos, bem perto de uma floresta com bastantes árvores, pedras e animais, coisas com as quais ele afirmava se harmonizar, eis que se considerava apenas um insignificante grãozinho, um pequeno e transitório fio condutor dessa grande energia vital que permeia todo o universo. Observador atento da natureza, concluiu que a grande luta dos seres vivos é justamente a de se erguer e manter-se acima da linha horizontal da terra. Qualquer ser vivo nasce rente ao chão, passa todo o seu ciclo de vida tentando erguer-se e manter-se acima dele até que finalmente, acaba sucumbindo e voltando a esse mesmo chão. A terra sempre vence, afirmava zombando dos que pretendem vida eterna em pretensos paraísos, edens, nirvanas, shangri-lás, valhalas ou coisas que o valham.
Ele somente utilizava sua força física para modificar a natureza naquilo que fosse necessário para continuar sobrevivendo. Se alguma outra forma de vida animal ou vegetal estivesse prestes a invadir sua esfera de sobrevivência, ele, em um primeiro momento, tentava repeli-la ou desviá-la. Caso isso não fosse possível, poderia chegar ao ponto até mesmo de sacrificá-la. Mas sempre dentro do limite da necessidade estrita.
Ocorre que o tempo passa inexoravelmente e cada ser vivo tem seu curto prazo de validade. O processo de renovação do corpo físico começa a se degradar e as forças vão faltando.
Com ele não seria diferente. Foi perdendo pouco-a-pouco a capacidade de lutar e a força da gravidade começou a vencê-lo, fazendo com que ele vivesse cada vez mais próximo do chão do qual ele tanto havia lutado para se afastar desde o nascimento.
Um dia, sentindo que não iria mais suportar por muito tempo e que seu ciclo estava prestes a terminar, com um misto de nostalgia e conformidade, eis que seu vaticínio estava se realizando finalmente, decidiu que seu fim deveria ocorrer próximo da maior quantidade possível de elementos que compõem o planeta em que vivia.
Arrastou-se com dificuldade até o riacho que ficava perto de sua morada, cercado de árvores e de animais. Ali, quedou-se já sem forças e sua mente aos poucos foi se apagando. Cautelosos, os animais de todos os portes foram se aproximando e servindo-se de pequenas porções de seu corpo. Ele ainda sentiu a ação dos dentes afiados, bicos de aves, pequenos insetos e outras tantas pequenas formas de vida que afloravam do seio da terra até que sua vida se esvaiu definitivamente.
Ao fundo, uma espécie de trilha musical produzido pelo ruído do riacho e do vento batendo nas copas das árvores, fazendo com que as folhas fossem caindo e cobrindo aquilo que ainda restava de seu corpo físico. O que não saciou a fome dos animais, com o tempo acabou coberto pela vegetação, até que finalmente o trabalho incessante do vento acabou de cobri-lo de terra.
Ele finalmente se reintegrava ao universo cumprindo exatamente aquilo que ele havia pregado durante toda a sua vida. Sem preces ou solenidades inúteis; apenas a natureza seguindo seu curso inexorável.
Jorge André Irion Jobim.
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