segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

CRÔNICA DO COTIDIANO

Há alguns anos atrás, eu fui até um pequeno armazém de minha vila comprar algumas coisas que necessitava. Como já havia passado do horário comercial, o proprietário estava me atendendo através das grades de ferro, muito utilizadas hoje pelos estabelecimentos comerciais em virtude do perigo de roubos, quando eu senti um objeto frio tocando em minhas costas seguido das palavras “passa a grana, é um assalto”. Minha reação foi a de me virar, momento em que me defrontei com um menino de aproximadamente dez anos com uma garrafa na mão. Ele caiu na gargalhada e me perguntou se eu havia achado que era um “cano” de verdade.

Naquele momento, ao tentar se fazer passar por assaltante, ele já demonstrava o grande sonho de sua vida, marcada pela auto-estima bastante reduzida; o de ter nas mãos uma arma de verdade para poder “subir no conceito” no meio em que vive.

Eu conhecia o menino. Afinal, como vivo há 37 anos nesta região, eu praticamente o vi crescer e junto com ela, boa parte da população. Mesmo tendo sempre aquele sorriso estampado no rosto, ele era filho de pais alcoólatras que desde o nascimento o trataram com extrema violência. Sempre passou muita fome, não apenas de alimento mas também de educação pois nunca teve incentivo algum para que isso viesse a ocorrer. Crescendo ao largo de uma família, logo foi para as ruas, recebendo as piores influências que ela pode oferecer. Isso naturalmente, o levou muito cedo para a antiga Febem.

Depois daquele dia, eu por várias vezes pude vê-lo pelas ruas usando cola ou maconha (naquela época anda não existia o crack). Passou a fazer pequenos furtos para sobreviver e sustentar seus vícios até que um dia realizou seu grande sonho: comprou seu primeiro “três-oitão” como se diz na gíria.


A partir daquele momento, vieram os assaltos que o levaram à prisão tão logo ele atingiu a maioridade penal. No cárcere, ele foi amontoado com outros presos, ficando exposto às piores humilhações e violências que se possa imaginar, tanto por parte do estado na forma de omissão, quanto dos outros companheiros de cárcere na forma de ação.

Algum tempo depois, ao ser libertado, ele já não carregava mais aquele ar sorridente. Suas feições eram mais duras, deixando transparecer o ódio que ele parecia sentir de tudo e de todos.

Não demorou muito e recebi a noticia de que o rapaz havia atirado a sangue frio em um morador da região, ferindo-o mortalmente e, apanhado logo a seguir, foi jogado novamente na prisão.

No dia seguinte a notícia do crime repercutia em todos os meios de comunicação. Nas rádios, alguns locutores e ouvintes verberavam raivosos pela necessidade de leis mais duras para conter a violência. De todos os lados, demagogos de plantão desengavetaram seus discursos inflamados pregando a implantação da pena de morte como a grande solução para a criminalidade. Simples assim.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria



Artigo publicado no jornal A Razão de Santa Maria, RS, no dia 04 de Fevereiro de 2.011.

http://www.scribd.com/doc/48146275/040211

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