Em
momento de pandemia e diante da necessidade de isolamento social, são tênues as
possibilidades de aplicação do Direito Penal àqueles que desrespeitam o
protocolo e facilitam o contágio pelo coronavírus. Especialistas consultados
pela ConJur avaliam que, embora o enquadramento criminal seja possível, depende
de nuances que vão desde que o resultado do contágio até a intenção deliberada
de fazê-lo.
Em
tese, são quatro os crimes possíveis relacionados à Covid-19 listados no Código
Penal: Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está
contaminado, ato capaz de produzir o contágio (artigo 131); expor a vida ou a
saúde de outrem a perigo direto e iminente (artigo 132); causar epidemia,
mediante a propagação de germes patogênicos (artigo 267); e infringir
determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de
doença contagiosa (artigo 268).
“A
análise dos atos depende do dolo”, aponta o advogado Fernando Fernandes. “O
artigo 267 prevê o resultado morte como agravante. No entanto em determinadas
situações, comprovado o dolo de que o autor transmitiu para uma vítima que
tenha saúde frágil sabendo e visando o resultado pode ser acusado em situações
muito especiais de homicídio doloso. Existem situações tênues”, descreveu.
Já
para o criminalista Daniel Allan Burg é possível, em tese, a responsabilização
penal do indivíduo que, ignorando o estado de quarentena imposto em diversos
estados, vier a transmitir o vírus. Se o resultado disso for morte, novamente é
necessário provar que esse era o objetivo inicial.
“Entendo
como pouco provável a configuração do homicídio, mas possível se efetivamente
comprovado que determinada pessoa — ciente não só da sua contaminação, mas
também de condições que tornem a vítima propensa à morte, caso venha a contrair
a doença — transmitir a enfermidade com a intenção de matar”, explicou.
O
advogado Leandro Sarcedo destaca que, em caso de morte, o artigo 267 do Código
Penal parece o que melhor amolda a conduta do que o homicídio, principalmente
no caso do coronavírus. “A pena do artigo 267, inclusive, é mais grave do que a
do homicídio simples. Em caso de ocorrer morte, a pena é dobrada, vai de 20 a
30 anos”, explica.
"Se
a intenção for efetivamente de contágio e não de causar morte, incidiria o
disposto no artigo 131 do Código Penal, cuja pena já é bastante alta",
aponta a advogada Daniella Meggliolaro.
Na
opinião dos criminalistas André Galvão e Felipe Maranhão, não basta a violação
genérica à situação de calamidade pública para o enquadramento penal da
conduta: é preciso especificar qual ato ordinatório destinado a impedir
introdução ou propagação de doença contagiosa foi violado. Ou seja, é
necessária rigorosa atenção às normas de natureza administrativa e sanitária
que complementam o tipo penal.
“Colocar
em risco a saúde de outras pessoas sabendo estar contaminado com o coronavírus
é crime. A grave conduta de expor a sociedade com a contaminação de vírus
altamente contagioso e letal deve ser apurada pelos agentes do Estado com a
aplicação das sanções previstas após o devido processo judicial”, afirma o advogado
Sidney Duran Gonçález.
Direito
Penal não é a melhor resposta
Especialistas
consultados pela ConJur e colunistas ainda colocam em dúvida se a aplicação do
Direito Penal é resposta coerente para tempos de pandemia. Principalmente
diante da tentativa de redução da população carcerária e da restrição de
funcionamento e circulação em fóruns e tribunais.
“O
direito penal até pode ser aplicado em determinados casos, mas não tem a
amplitude nem a capacidade de combater o espraiamento da pandemia. Medidas
pedagógicas — como propaganda intensiva — e sanções administrativas — como
multas — são muito mais efetivas porque tem aplicação mais rápida e efetiva”,
opinam os advogados Pierpaolo Cruz Bottini e Augusto de Arruda Botelho.
Em
evento do IDP, Fábio Tofic Simantob afirmou que, embora haja um caráter
emergencial que advém da crise do coronavírus, é preciso tomar cuidado para não
se precipitar a utilizar, de modo indiscriminado, a imputação de certos tipos
penais para responsabilizar as pessoas que porventura desrespeitarem as
determinações do Poder Público de isolamento e quarentena.
“O
Direito Penal não é, porém, nem de longe, a melhor solução para a crise que
vivenciamos. O próprio encarceramento, aliás, ameaça a efetividade do combate
sistêmico à pandemia, dado o deplorável estado do sistema prisional
brasileiro”, destacam André Galvão e Felipe Maranhão.
Já
o advogado José Fernando Simão aponta a responsabilização civil como mais
eficiente instrumento para coibir abusos no momento. “A tutela civil do dano se
mostra muito mais efetiva e útil nos casos de transmissão ilícita do vírus do
que a simples responsabilização penal, visto que a quantia em pecúnia arbitrada
servirá como reparação pelos prejuízos materiais sofridos (como por exemplo,
gastos com medicamentos e internação hospitalar, lucros cessantes, dentre
outros), além de compensação por eventuais danos extrapatrimoniais
experimentados pela vítima.”.
Representações
contra Bolsonaro
Nesta
semana, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, arquivou
notícia-crime contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. Na petição, um
advogado acusava o presidente de cometer os crimes de desobediência e causar
epidemia, previstos nos artigos 267 e 330 do Código Penal, ao deixar o Palácio
do Planalto durante uma manifestação no dia 15 de março.
Seguindo
manifestação da Procuradoria-Geral da República, titular para propor ação penal
contra o presidente, o ministro entendeu que a conduta não configura crime.
Marco Aurélio explicou que o crime de causar epidemia requer dolo, e não há
sequer notícia de que o presidente tenha sido infectado.
Além
desta, há outras cinco representações contra o presidente em razão de suas
condutas durante a pandemia. Entre elas está a do deputado federal Reginaldo
Lopes (PT-MG), que acusa o presidente de praticar crime previsto no artigo 268
do Código Penal — infringir determinação do poder público, destinada a impedir
introdução ou propagação de doença contagiosa (PET 8.744).
Segundo
a petição, assinada pelo escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, esse
crime é de perigo abstrato, sendo desnecessário para sua configuração a efetiva
comprovação introdução ou propagação de doença contagiosa.
Danilo
Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Tadeu
Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.

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