No ano de 1931, durante congresso de ecologia (ambiental)
realizado na cidade de Florença, na Itália, ficou decidido que todo dia 4 de
outubro seria comemorado o Dia Mundial dos Animais. A data atualmente é
utilizada para que possamos promover e conscientizar a população sobre o
Direito dos Animais, como norma a ser aplicada, legislação propriamente dita,
que engloba os princípios da Declaração Universal dos Direitos dos Animais,
entre eles, que todos animais têm direitos.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais,
promulgada em Bruxelas pela ONU em 1978, tem sido utilizada como fundamentação
legal de vários julgados brasileiros, bem como o artigo 225 § 1º inciso VII da
Constituição Federal, Lei Federal 9.605/98 que em seu artigo 32º tipifica crime
de maus-tratos, e outras legislações específicas, inclusive, no âmbito Estadual
e Municipal, como a Lei Estadual 11.977/2005 que instituiu no Estado de São
Paulo o Código de Proteção aos Animais, e as resoluções do Conselho de Medicina
Veterinária, seja na esfera Federal ou Estadual.
Atualmente, embora os animais sejam tratados no Código
Civil como bem de uso comum do povo, “coisa”, e na Lei dos Crimes Ambientais
9.605/98, nossa Justiça reconhece em alguns julgados os animais como sujeitos
vulneráveis, dignos de direitos subjetivos.
Nessa perspectiva, é preciso prepararmos os operadores do
Direito no campo específico de leis que rege o Direito dos Animais,
demonstrando o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos
fundamentais dos seres não-humanos, diferenciando a proteção do ser não-humano
enquanto fauna, e, enquanto indivíduo senciente, portador de valor intrínseco e
dignidade própria. Embora esteja inserido no âmbito do Direito Ambiental, o
tema acarreta reflexo em vários outros ramos do direito, tais como, Direito
Civil (família/vizinhança/dano); Direito do Consumidor (prestação de serviço do
médico-veterinário, erro médico e má prestação de serviço); Direito Público
(diretrizes que tornam o Poder Público responsável pela proteção animal);
Direito Penal (maus-tratos e a relação de maus-tratos com a violência
doméstica); Direito Constitucional (base legislativa do Direito dos Animais);
Direito do Trabalho[i] (animais expostos ao trabalho).
Ou seja, é preciso o conhecimento específico, com análise
minuciosa e visão macro da legislação de regência, a fim de assegurar
juridicamente o Direito dos Animais, sem que isto resulte em preterir direitos
dos seres humanos, como pensam equivocadamente alguns.
Como se vê, o Direito dos Animais é a área de atuação que
mais deve crescer nos próximos anos, vez que, oferece ao advogado um campo
extenso de trabalho, por abranger as principais áreas do Direito.
Destarte, se faz necessário e urgente desenvolver projetos
trabalhando a consciência da sociedade e operadores do Direito de que assegurar
os Direitos dos Animais é também assegurar os direitos e garantias fundamentais
dos cidadãos, afinal, cuidar dos animais é cuidar dos seres humanos, é manter o
homem vivo. Trata-se de junção, e não escolha.
Violência doméstica
Dentre as junções de cuidado com o ser humano e o ser
não-humano está a relação da violência doméstica com os maus-tratos aos
animais. É um tema pouco divulgado, mas de extrema relevância social e
jurídica, já que a conscientização poderá resultar em nova perspectiva de
combate aos maus-tratos aos animais tipificado como crime, resguardando a vida
e integridade física do ser não-humano e do ser humano, na premissa de combate
e prevenção à violência doméstica.
O assunto é tão sério que o Ministério Público do Estado
de São Paulo divulgou sinais que evidenciam as chances de uma relação violenta,
citando, entre eles, a crueldade com os animais.
Nas últimas décadas, surgiu a concepção da família
multiespécie, uma nova realidade a ser acolhida pelo Direito de Família, que
consiste na formação do núcleo familiar composto por pessoas e seus animais de
estimação como membros da família. Segundo cifras do IBGE, 44,3% dos domicílios
têm pelo menos um cão e 17,7% pelo menos um gato.
Neste núcleo familiar multiespécie, os animais de
companhia por vezes estão sofrendo “violência doméstica”, ou seja, sendo usados
como ferramenta de violência psicológica familiar. Nesses casos, o agressor
agride o membro familiar animal, visando a intimidação e controle da vítima
humana para que a mesma não denuncie a situação e não tente sair do ciclo da
violência, com base na preocupação com seu animal de estimação.
Nestes casos, a violência física começa no membro familiar
animal, como consequência de violência psicológica na vítima humana, e, se não
tratado a tempo, provavelmente acarretará a violência física na vítima humana.
Assim, os animais de estimação, estão fazendo parte do
ciclo da violência doméstica como primeiras vítimas, um vez que, segundo a
teoria de link, o maus-tratos aos animais representa indicador para a detecção
e/ou prevenção de outros tipos de violência.
Na teoria de link, afirma-se que o ser humano violento com
o animal é também violento com a pessoa, pois caracteriza-se pelo ciclo da
violência. A teoria reconhece que aquele que é capaz de praticar violência
contra um animal poderá fazê-lo também contra o ser humano. O ciclo inicia-se
com uma pessoa adulta impingindo atos violentos geralmente contra crianças,
mulheres e/ou animais, os considerados pelo infrator como ser vulnerável.
Este reconhecimento permite uma pronta intervenção por
parte de uma equipe multiprofissional, a fim de coibir a violência contra o
animal e contra o ser humano.
Nesta perspectiva, e, após conhecimento de algumas
estatísticas que corroboraram através da teoria de link a relação da violência
doméstica com os maus-tratos aos animais (outros estudos já divulgados sobre o
tema, como o 'Maus tratos aos animais e violência contra as pessoas', de
Marcelo Robis; e 'Crueldade com animais X Violência doméstica contra mulheres:
Uma conexão real', de Maria José Sales Padilha) foi realizada na cidade de
Suzano (SP), no ano de 2017, com divulgação no ano de 2018, a estatística da
relação da violência doméstica com os maus-tratos aos animais.
A estatística foi idealizada pela Advogada Animalista
Ariana Anari Gil, em parceria com a Delegacia de Defesa da Mulher de Suzano,
sob o comando da Delegada Titular Dra. Silmara Marcelino.
Na ocasião foi elaborado questionário com 12 perguntas
para que vítimas de violência doméstica respondessem. O questionário foi
disponibilizado na Delegacia de Defesa da Mulher de Suzano, pelo período de 03
(três) meses, e o resultado surpreendeu, inclusive pelas observações
apresentadas. Vejamos:
47% das vítimas
que afirmaram possuir animal de estimação em casa confirmaram a violência
também com o animal de estimação.
39% de todas
vítimas de violência doméstica (independente de possuir animal de estimação),
afirmaram ter presenciado atitudes violentas do parceiro com animais próprios
ou de terceiros.
20% das mulheres
vítimas de violência domésticas que não possuíam animais de estimação,
afirmaram a agressividade do parceiro com animais de terceiros.
Algumas mulheres, além de responder o questionário,
colocaram observações, tais como: "Já matou o cachorro e jogou em cima de
casa"; "Matou dois gatos e feriu um cachorro"; "Ele costuma
descontar a raiva no animal" e "Já matou animais de estimação".
A estatística demonstra cabalmente que a relação da
violência doméstica com os maus-tratos aos animais é uma triste realidade e
está relacionada a teoria de link, principalmente no que diz respeito a
vulnerabilidade da vítima. Trata-se de um ciclo de violência, que deve ser
combatido.
Assim, para debater o combate à violência doméstica, é
salutar debater o combate aos maus-tratos aos animais. Os animais hoje podem
ser considerados verdadeiros "anjos da guarda" das mulheres quando se
trata de evidenciar a possibilidade de uma futura conduta cruel do agressor.
Afinal, a maioria dos lares brasileiros possui hoje um animal de estimação.
Como se vê, lutar pelo combate aos maus-tratos aos animais
e buscar punir os responsáveis é lutar contra a violência doméstica, afinal, a
punição dos maus-tratos aos animais pode evitar uma futura violência contra o
ser humano.
DENUNCIE. MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS É CRIME.
Ariana Anari Gil é
advogada, palestrante e consultora jurídica; foi presidente da Comissão de
Proteção e Defesa Animal da 55ª Subseção OAB/SP entre 2017 e 2018.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2019-out-04/opiniao-direito-animais-relacao-violencia-domestica
Nenhum comentário:
Postar um comentário