Estou no meio da leitura de “Os Onze – o STF, seus
bastidores e suas crises”, de Felipe Recondo e Luiz Weber. É um clássico sobre
as mudanças do Supremo Tribunal Federal (STF), devido à abrangência das
análises.
Há uma série de narrativas superpostas de forma
competente:
·
O processo gradativo de usurpação dos poderes pelo
Supremo, culminando com o novo constitucionalismo de Luis Roberto Barroso.
·
A popularização da cobertura, com a ampliação dos
setoristas da imprensa, as transmissões ao vivo e o poder político conferido ao
Supremo, após o mensalão.
·
O poder individual de cada Ministro, com a ampliação da
abrangência das decisões monocráticas, erodindo as decisões colegiadas, e sua
nova condição de celebridade política.
·
A pressão externa da mídia, das ruas e das redes sociais
sobre as votações.
·
A disputa pelo novo espaço, no qual o notório saber é
substituído por frases de efeito que transformam medíocres em celebridades,
juristas em influenciadores digitais, casos mais notórios de Ayres Britto e
Carmen Lúcia.
Sobre esse cenário, o livro vai desenhando, através de
pequenos episódios, o caráter dos personagens, com suas fraquezas e
idiossincrasias, observando-se uma implicância saudável com caráteres fracos. E
também como os Ministros vão se preparando para os novos tempos, substituindo a
jurisprudência por frases de efeito, para se comunicar melhor com a galera –
recurso ao qual recorrem especialmente Carmen Lúcia, Ayres Britto e Luis
Roberto Barroso.
Provavelmente não há similar de um poder nacional
dissecado com tamanha abrangência e acuidade.
Egos em transe
É esse i trajeto do Supremo para o século 21: o fim da
privacidade, a publicização total de seus atos e, consequentemente, sua
exposição à mídia e às redes sociais, estimulando a apoteose mental de alguns
Ministros, e inibindo a atuação anti-cíclica dos Ministros mais responsáveis.
Senhores formais, que se formaram em ambientes formais, de
repente se viram alvos de escrachos, meramente por episódios menores, no qual
reconheciam direitos mínimos dos acusados. Do outro lado, se tornavam
celebridades instantâneas com suas frases banais sendo celebradas em manchetes
ou em chamadas de jornais televisivos, como os versos de Ayres Brito, as frases
de efeito de Carmen Lúcia.
Como comentei em 20.11.2017, nunca antes, em nenhum
período da história, com exceção do “Independência ou Morte”, de Dom Pedro 1o,
as frases tiveram implicação política tão relevante.
No dia em que Carmen bradou “onde um juiz for destratado,
eu também sou”, se tornou a fada madrinha do Judiciário. Com o grito “Cala a
boca, já morreu!”, imediatamente foi alçada pela Globo ao posto de
presidenciável.
O grande inspirador de Carmen foi Petrônio Augusto
Carvalho Oliveiri Filho, nomeado assessor especial nível CJ3 na Assessoria
Processual do STF e titular do blog “O Pensador” cujo conteúdo mais relevante
são frases, frases e frases, divididas em tópicos atraentes como “Frases
Curtas”, “Frases Lindas”, “Frases Românticas”, “Frases inteligentes”, “Frases
da Vida”, um tipo de frase para cada estado de espírito.
Que Canotilho, Ferrajoli, Roxin, Bandeira de Mello! Nos
tempos de redes sociais, Petrônio se tornou a referência.
Antes delas, frases
poéticas de Ayres Brito sacudiram os umbrais:
“A silhueta da verdade só assenta em vestidos
transparentes”.
“Ao contrário da roupa no tanque ou nas pedras do rio,
quanto mais se torce a verdade mais ela encarde”.
“O pior juiz é o que faz de sua caneta um pé-de-cabra”.
“Quando um povo pega o touro da corrupção a unha, monta
relâmpago em pelo e não cai”.
É com esse chicote-cenoura que a mídia direcionou as
decisões do Supremo. Qualquer fuga do script, matérias estimulando os
escrachos. Qualquer adesão, premiações com prêmios ou manchetes laudatórias.
Qualquer crítica aos seus métodos, demonização, transformação do crítico em
petista.
O impeachment
recontado
Em sua coluna de hoje, Bernardo Mello e Franco, de O
Globo, menciona a denúncia do ex-PGR Rodrigo Janot contra o então presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, em dezembro de 2015, como indicação de que ainda falta
ser contada a história do impeachment. Apenas depois do impeachment, o relator
Teori Zavascki tirou-a da gaveta, sinal mais que evidente de que a prioridade
era o impeachment. Tivesse se dado antes, não teria ocorrido o impeachment.
Como também não teria ocorrido se Lula pudesse assumir o cargo de Ministro da
Casa Civil.
São episódios centrais – como foi o da prisão do
ex-senador Delcídio do Amaral -, que precisam ser devidamente contextualizados.
Conforma relato de Os Onze, em um dos momentos em que
procurou conter abusos da Lava Jato, o Ministro Teori Zavascki e sua família
sofreram campanhas que chegaram até às escolas de seus netos. Provavelmente foi
o fato foi celebrado pelo Ministro Luiz Fux, em mensagem a Deltan Dallagnol,
conforme revelaram os diálogos divulgados pela Vaza Jato.
O próprio Fux se tornou um defensor intimorato da Lava
Jato logo após ameaças de seu nome entrar nos inquéritos sobre o ex-governador
Sérgio Cabral, seu mais notório padrinho político. Foi o que provocou a famosa
crise de choro, e a menção à mãe, relatada também no livro de Rodrigo Janot e,
posteriormente, sua adesão incondicional à Lava Jato – que, pelo visto, poupou
seu aliado, impedindo a auditoria no celular de Eduardo Cunha.
Em todos esses episódios, foi essencial a campanha
sistemática de ódio alimentada pela mídia desde 2005, que transformou a disputa
política em uma guerra implacável, na qual o inimigo teria que ser eliminado.
Esse foi o fermento do qual a Lava Jato se alimentou.
Os episódios
centrais
A partir desse processo de intimidação, de convocação das
turbas – pela Lava Jato, através das redes sociais, mas, fundamentalmente, pela
Globo – desequilibrou-se totalmente o jogo no Supremo, com a intimidação dos
constitucionalistas. Havia um Supremo, agora exposto pelo excesso de
visibilidade.
É por aí – e também pelas ligações políticas de Ministros
– que se entende melhor o tal algoritmo do Supremo, uma sucessão de sorteios de
casos em que, em todos os momentos cruciais, caíam com um Ministro que já se
sabia, de antemão, favorável ao impeachment.
O livro não envereda por essa seara. Menciona auditorias
independentes feitas por algumas universidades. Probabilisticamente, nada
explica a sucessão de sorteios do STF, sempre colocando questões essenciais nas
mãos de Ministros dos quais se sabia, antecipadamente, o posicionamento
político. É um tema anda em aberto. Como
está em aberto a morte de Teori Zavascki.
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