A República não precisa de fazer-se terrível, mas de ser
amável; não deve perseguir, mas conciliar; não carece de vingar-se, mas de
esquecer; não tem que se coser na pele das antigas reações, mas que alargar e
consolidar a liberdade.” (Ruy Barbosa)
A República inteira, e não só a de Curitiba, espia atônita
o amanhecer de uma nova história, tanto mais obscura e tenebrosa quanto mais
luz a benzer a alvorada.
O dilúculo paradoxal revela, em plena democracia, no
século XXI, o renascimento clandestino de uma novel inquisição, sacramentada no
casamento ilícito do Estado-juiz com o Estado-acusador, ambos unidos num só corpo,
como se unha e carne fossem e enlaçados por um objetivo comum: condenar à
fogueira o devido processo legal, e com execução antecipada da pena.
O matrimônio bestial justifica as sensações e arrepios dos
condenados que já passaram pelos abatedouros da republiqueta justiceira. Acolá,
quando a inocência, a legalidade e a paridade de armas saíam às ruas, ninguém
lhes dava nem sequer um bom dia, num silêncio eloquente de deboche à garantia
de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal (CF, artigo 5º, inciso LIV).
Se é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de
comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem
(Loman, artigo 36, inciso III), bem como aconselhar qualquer das partes (CPP,
artigo 254, inciso IV), porque tal proceder fragiliza a imparcialidade do
julgador, então o alinhamento funcional e intencional deste com aquele que
acusa aniquila o próprio conceito e caráter de justiça, que, antes de tudo,
deveria assegurar a moralidade e a impessoalidade das suas decisões.
Centenas de sentenças e juízos de condenação já foram
deferidos na conhecida operação "lava jato", fazendo pilhas de corpos
em números ainda maiores se amontoarem em valas de um holocausto judiciário sem
precedentes, em que a retórica policialesca e punitivista se revelou, agora, em
sua faceta mais nua, crua e concreta, identificada com juízes interessados no
resultado da persecução penal.
Já dissemos que em contraposição a mil e um anos de
guilhotina é que evoluímos para o sistema acusatório, de modo que não cabe
mais, sob a toga, as funções institucionais do Ministério Público, notadamente
a de promover, privativamente, a ação penal pública (CF, artigo 129, inciso I).
Porém, graças a juízes que, em segredo, fofocam com o
algoz sobre a melhor estratégia de decapitação, numa guerra em que o suposto
inimigo mais se assemelha à Cruz Vermelha com seus mantimentos e kits de
primeiros-socorros — os direitos e as garantias constitucionais do devido
processo legal —, nasce uma nova inquisição.
De fato, não há poder maior no mundo que o do tempo: tudo
sujeita, tudo muda, tudo acaba (Padre Antônio Vieira), e os “meninos de
Curitiba”, que da infância só trouxeram a irresponsabilidade e a
inconsequência, agora terão de provar do próprio veneno, em um mundo real que
deu a volta.
Willer Tomaz é sócio
do Willer Tomaz Advogados.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2019-jun-10/willer-tomaz-casamento-ilicito-entre-estado-juiz-estado-acusador?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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