Até
que ponto decidimos com autonomia? Pensamos escolher o sentido de nossa própria
vida – mas será que isso é verdade? Se você ou eu tivéssemos vivido 500 anos
atrás, nossa visão de mundo, e as decisões tomadas em decorrência dela, seriam
totalmente diferentes. Nossas mentes são formadas pelo ambiente social,
particularmente pelos sistemas de crenças projetados por aqueles que estão no
poder: antes, reis, aristocratas e teólogos; agora, corporações, bilionários e
a mídia.
Humanos,
mamíferos sociais por excelência, somos esponjas éticas e intelectuais.
Inconscientemente absorvemos, para o bem ou para o mal, as influências que nos
envolvem. Na verdade, a própria noção de que podemos formar nossas mentes é uma
ideia herdada que, cinco séculos atrás, teria causado estranheza à maioria das
pessoas. Não quero sugerir que somos incapazes de pensamento com independência.
Mas para exercitá-lo, temos de – conscientemente e com grande esforço – nadar
contra a corrente que nos carrega, na maioria das vezes sem nosso conhecimento.
No
entanto, mesmo formados no meio ambiente social, será que controlamos as
pequenas decisões que tomamos? Às vezes. Talvez. Mas também aqui estamos
sujeitos a influências constantes, algumas das quais vemos, a maioria das quais
não vemos. Uma grande indústria procura decidir em nosso nome. Suas técnicas
tornam-se mais sofisticadas a cada ano, aproveitando-se das últimas descobertas
da neurociência e da psicologia. Seu nome é publicidade.
Novos
livros são publicados todo mês sobre o assunto, por exemplo com o título “O
Código de Persuasão: como o neuromarketing pode ajudar você a persuadir alguém,
em qualquer lugar, a qualquer momento” Embora muitos sejam evidentemente
exagerados, descrevem uma disciplina que está capturando rapidamente nossas mentes,
tornando o pensamento independente ainda mais difícil. Publicidades mais
sofisticadas misturam-se a tecnologias digitais projetadas para eliminar as
mediações.
No
começo de 2018, o psicólogo infantil Richard Freed explicou como novas
pesquisas psicológicas têm sido usadas para desenvolver mídias sociais, jogos
de computador e telefones celulares com qualidades assumidamente viciantes.
Cita um tecnólogo que se vangloria, aparentemente com justiça: “Podemos, ao
manipular alguns botões no painel do aprendizado de máquina que construímos,
levar centenas de milhares de pessoas, em todo o mundo, a mudar silenciosamente
seu comportamento de maneira que, sem saber, imaginam repetir um hábito, mas
estão sendo conduzidas.
O
propósito deste “hackeamento de cérebros” é criar plataformas mais eficientes
para a publicidade. Mas o esforço é inútil se retivermos nossa capacidade de
resistir. Essa é a razão pela qual o Facebook, segundo vazamento de um
relatório enviado a um anunciante, desenvolveu ferramentas para determinar
quando adolescentes, ao usar a rede, sentem-se inseguros, com baixa auto-estima
ou estressados. Estes parecem ser os ótimos momentos para atingi-los com uma
promoção micro-segmentada. (O Facebook nega que ofereceu “ferramentas para
segmentar as pessoas com base em seu estado emocional”.)
Podemos
esperar que empresas comerciais lancem mão de todo e qualquer truque. Cabe à
sociedade, representada pelo governo, detê-las por meio do tipo de regulação
que até agora falta. Mas o que me intriga e desgosta ainda mais do que esse
fracasso é a disposição das universidades em sediar pesquisas que ajudam os
anunciantes a invadir nossas mentes. O ideal do Iluminismo, que todas as
universidades dizem endossar, é que todos devem pensar por si mesmos. Então, por
que mantêm departamentos em que pesquisadores exploram novos meios de bloquear
essa capacidade?
Faço
a pergunta, enquanto observo o frenesi do consumismo que eleva além dos níveis
habituais o lixo do planeta neste final de ano, porque esbarrei num artigo que
me deixou pasmo. Foi escrito por acadêmicos de universidades públicas na
Holanda e nos EUA. Seu propósito me pareceu completamente em desacordo com o
interesse público. Eles procuram identificar “as diferentes maneiras pelas
quais os consumidores resistem à publicidade e as táticas que podem ser usadas
para combater ou evitar essa resistência”.
Dentre
as técnicas “neutralizadoras” destacam-se “disfarçar a intenção de persuadir ou
o emissor da mensagem”; distrair nossa atenção usando frases confusas que
dificultam perceber as intenções do anunciante; e “usar o empobrecimento
cognitivo como tática para reduzir a capacidade do consumidor de questionar as
mensagens”. Isso significa nos atingir com um número de propagandas suficiente
para exaurir nossos recursos mentais, quebrando nossa capacidade de pensar.
Intrigado,
comecei a buscar outros artigos acadêmicos sobre o mesmo tema, e encontrei uma
enorme literatura. Havia artigos sobre cada aspecto possível da resistência à
publicidade, e dicas úteis para superá-la. Por exemplo, um artigo que ensina
anunciantes a reconstruir a confiança do público quando a celebridade com quem
trabalham se mete em problemas. Em vez de abandonar esse ativo lucrativo, os
pesquisadores aconselharam que o melhor meio para melhorar “o autêntico apelo
persuasivo de uma celebridade” cujo prestígio tenha caído é fazer com que exiba
“um sorriso de Duchenne”, conhecido também como “sorriso genuíno”. Eles
detalham esses sorrisos com precisão, mostram como identificá-los e discutem a
“construção” da sinceridade e da “franqueza”: um exercício magnífico de
autenticidade inautêntica.
Outro
artigo sugere como persuadir pessoas céticas a acatar as afirmações sobre
responsabilidade social corporativa de uma empresa, especialmente quando essas
afirmações entram em conflito com o conjunto dos objetivos da empresa. (Um
exemplo óbvio são as tentativas atuais da Exxon Mobil de convencer as pessoas
de que é ambientalmente responsável, porque está pesquisando combustíveis de
algas que poderiam um dia reduzir o CO2 – mesmo que continue bombeando 10
milhões de barris de óleo fóssil por dia). Esperava que o jornal recomendasse
que o melhor meio de persuadir as pessoas é a empresa mudar suas práticas. Ao
invés disso, os autores da pesquisa mostraram como imagens e declarações podem
ser habilmente combinadas para “minimizar o ceticismo das partes envolvidas”.
Outro
artigo discutia anúncios que trabalham com o estímulo ao medo de perder [fear
of missing out, FOMO]. Notava que essas publicidades funcionam através da
“motivação controlada”, que é um “anátema para o bem-estar”. Anúncios FOMO,
explicava o artigo, tendem a causar desconforto significativo àqueles que o
recebem. Depois seguia mostrando que melhorar o entendimento da resposta das
pessoas “oferece a oportunidade de melhorar a eficácia do FOMO como disparador
da compra.” Uma tática proposta é continuar estimulando o medo de perder,
durante e depois da decisão de comprar. Isso, sugere, tornará as pessoas mais
suscetíveis a outros anúncios na mesma linha.
Sim,
eu sei: trabalho num setor que recebe a maior parte de seus recursos
financeiros da publicidade, então sou cúmplice também. Mas assim somos todos
nós. A publicidade e seus impactos destrutivos no planeta vivo, em nossa paz de
espírito e nosso livre arbítrio está no coração da economia que se baseia no
“crescimento”. Isso nos dá ainda mais motivos para desafiá-la. Dentre os
lugares onde o desafio deve começar estão as universidades e sociedades
acadêmicas, que supostamente estabelecem e mantêm padrões éticos. Se elas não
podem nadar contra as correntes do desejo construído e do pensamento
construído, quem poderá?
Por George Monbiot |
Tradução: Inês Castilho
FONTE:
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