quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O FASCISMO, VENENOS E ANTÍDOTOS. Por Carlos Russo Jr

Enquanto cidadãos e homens livres constitui nosso dever desmascarar o fascismo e apontar sempre o dedo em riste para cada uma de suas formas, em qualquer lugar onde seus apelos surjam à luz do dia. No Brasil de hoje, a preservação dos espaços de liberdade transformam-se em tarefas diuturnas, das quais não poderemos descuidar.

O General do Exército Brasileiro, Nelson Werneck Sodré, desenvolveu um conjunto de crônicas a partir de “pequenas impressões da vida cotidiana”. Trata-se de “O Fascismo Cotidiano”, escrito no princípio da decadência da Ditadura Militar, em 1976. “O fascismo é uma ditadura terrorista declarada conduzida pelos elementos mais reacionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro” e “é peculiar ao fascismo uma tendência para uma transformação reacionária de todas as instituições políticas. ”

Também ressalta que: “quando as antigas formas de governo, formalmente democráticas, tornam-se obstáculos para o desenvolvimento do capital monopolista em crise, as elites assumem sua faceta mais reacionária e recorrerem ao fascismo, tal como ocorreu em 1964”.

O filósofo Antônio Gramsci, por outro lado, estabeleceu uma série de critérios necessários para o combate ao fascismo:

    Exigência de seriedade no trato da política.
    O repúdio das formas superficiais e falsamente populares.
    A impossibilidade de se adaptar ao regime de leviandade, irresponsabilidade, falta de sinceridade, ganância e vileza política.

Seus estudos, realizados antes do cárcere na Itália de Mussolini, levaram Gramsci a uma conclusão surpreendente: “Até mesmo os delitos (crimes comuns), que a opinião pública considerava como manifestações de um fatal atraso de costumes (no sul da Itália), tinham aumentado assombrosamente com o desenvolvimento da exploração na região”. A forma é como o desenvolvimento capitalista estava organizado: não em proveito do povo, mas das grandes corporações.

Para Gramsci “qual a primeira liberdade a ser aniquilada e aniquilada da forma mais brutal, não com a adoção ou a promulgação de leis ou decretos, mas com o exercício da violência pura e simples e com o aumento da criminalidade?” A liberdade de organização e do movimento econômico dos operários, dos camponeses, dos pobres; a liberdade de opinião e de expressão e nesse barbarismo todo já está contido- como germe- a essência do fascismo.

E no avanço do mesmo, Gramsci destaca duas consequências: “A primeira é que, quando o fascismo organizou o poder, primeiramente substituiu ou expulsou o velho pessoal dirigente político. A segunda, é que o governo arrasta atrás de si, até o fim, uma trupe de, um bando de inconscientes, aventureiros e delinquentes”.

Os grupos que se reúnem em torno do fascismo, na expressão de Werneck Sodré, “mostram uma mentalidade de capitalismo nascente, do tipo agressivo, que se define no absoluto desprezo pelas leis escritas, pelas leis morais, pela pessoa humana e pelas conquistas da civilização e de cultura realizada pelos povos”.

E a respeito do pensamento do filósofo italiano, assinala Werneck Sodré que o mesmo se insere na própria contramão do “pensamento único”, tão ao gosto da direita quanto de determinados setores da esquerda. Ao mesmo tempo, a dialética gramsciana antecipa a “era do fim das certezas”, o nosso presente, onde o determinismo e as evoluções lineares se desintegraram. Ele já considerava a realidade como um universo cheio de incertezas e, portanto, de imensas possibilidades de criatividade, do conhecimento como caminho para a preservação da liberdade.

Quase meio século após Gramsci , nos anos 1980, Humberto Eco avançou na análise dos diversos formatos e manifestações fascistas que, de tão antigas na humanidade, criaram seus próprios arquétipos, impregnando-se nas mais diferentes estruturas sociais. Lista-nos uma série de arquétipos fascistas:

    O culto da tradição como uma das bases do fascismo: O tradicionalismo, ainda mais velho que o fascismo, possui como paradigma que todas as mensagens originais contêm pelo menos um germe de sabedoria, um quê de alguma “verdade” dita primitiva. Com isso ele visa claramente estabelecer uma impossibilidade para avanços no saber! A verdade já foi anunciada de uma vez por todas e somente nos restaria continuar a interpretar sua obscura mensagem.
    De todo modo, ao cultuar a tradição, o fascismo o realiza de uma maneira sincrética.  Apanha conceitos de doutrinas e ideologias diferentes, municiando-se da artificialidade dessa reunião de doutrinas mesmo que teoricamente incongruentes entre si. Logo, é inerente ao fascismo tolerar contradições que são intrínsecas a cada momento histórico em que ele se apresenta.
    No momento histórico que atravessamos o fascismo reveste-se de uma determinada superestrutura religiosa que já tivemos oportunidade de descrever em “A religiosidade neopentecostal como superestrutura do poder político-policial-militar”, http://proust.net.br/blog/?p=1444.
    A recusa da modernidade: Se por um lado os fascistas adoram a tecnologia, por outro, o seu elogio da modernidade não passa de coisificação, dado que são adoradores de máquinas, não de ideias. No século XX, a recusa do modernismo camuflou-se com a “condenação” do modo de vida capitalista (Mussolini, na Itália). Acontece que esta condenação era tão somente uma roupagem, urdida em conjunto com os grandes capitalistas, já que se tratava de afastar o “fantasma” do comunismo.
    O fascista do século XX/XXI opõe-se até mesmo ao iluminismo e à idade da razão, vistos como pontos de partida para a “depravação” moderna. Por este caminho, o arquétipo fascista esteia-se no irracionalismo.
    Culto da ação pela ação: Trata-se de um fruto necessário do irracionalismo. A ação torna-se bela em si e deve ser realizada sem qualquer reflexão. O fascismo de ontem, de hoje e de sempre odeia “a cultura”, dado ser ela em si, uma atitude de crítica. A suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi e será um sintoma do fascismo.
    O banimento da crítica: Na medida em que o espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal da modernidade, para o fascismo a crítica é sempre lida como desacordo ou traição, não importa o partido político em que o viés fascista se manifeste.
    A diversidade: Quando o fascismo cresce, ele busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. Logo, é essência do mesmo a xenofobia, a misoginia, a homofobia e as piores demonstrações de racismo.
    Os fascismos provem da frustração individual ou social. A característica dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por crises econômicas, pela humilhação política, pela corrupção, pela falta de representatividade de seus agentes (os políticos) e assustadas pela pressão de grupos sociais inferiores. E essa ampla classe média consisti e consistirá na maioria do auditório fascista.
    Para aqueles que se sentem privados de qualquer identidade social, o fascismo lhes diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: terem nascido em um mesmo país. Esta é precisamente a origem do “nacionalismo”. O fascismo carrega o viés de que os únicos agentes que podem conferir autenticidade ao “nacional” serão os inimigos da nacionalidade, sejam eles internos, sejam democratas, socialistas ou comunistas, quer sejam inimigos externos. Daí a obsessão pelo complô, pelo golpe, pelas badernas, pelas invasões de outros países, pelas guerras.
    Para levar os “nacionalistas” aos extremos, os defensores do fascismo precisam se sentir sitiados e o modo mais rasteiro e facilmente sentido são novamente, a xenofobia, a intolerância e o racismo.
    Se os adeptos do fascismo sentirem-se humilhados pela riqueza ostensiva ou pela força do inimigo, a doutrina do “faccio” leva-o a supor que pode vencê-lo. É por isso que, os regimes fascistas se fortalecem com a visão de que os inimigos, quer os internos, quer os externos, sejam ao mesmo tempo, fortes e fracos demais.
    Para o fascismo não há luta pela vida, mas, sim, vida pela luta. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo, a vida uma guerra permanente contra todo e qualquer oponente de seus valores.
    O elitismo é típico de qualquer ideologia reacionária. No curso da história, todo elitismo aristocrático ou militarista implicou em desprezo pelos fracos. O fascismo prega um “elitismo popular”. Logo, todos os cidadãos pertencem ao melhor dos povos, os membros dos partidos, são os melhores cidadãos. E todo cidadão que se queira fazer respeitar, deve pertencer ao partido. Embora o líder fascista saiba que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela pressão, pela mentira e pelo uso da força, sabe igualmente que sua força se baseia na debilidade das massas populares, tão fracas que têm necessidade e merecem um dominador.
    Cada membro de uma organização fascista é educado para tornar-se um “herói”, mito, ou um ser que se espelha no mito criado. E no fascismo de hoje e de sempre, este culto liga-se a outro: o da morte! Enquanto sua própria morte não chega, ele assassina “banalmente” outros mortais.
    Como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista deriva sua vontade de poder para jogos sexuais. Aí está a origem do machismo, da intolerância para com os homossexuais, a base de uma “cultura” de estupro e abuso dos seres imediatamente inferiores ao macho: da mulher.
    O populismo qualitativo: No populismo qualitativo, os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e o “povo” é concebido como uma entidade de personalidade monolítica, que somente expressa uma vontade comum a qual tem em seu líder o único intérprete. E os cidadãos, tendo perdido o poder de delegar, não agem mais, sendo chamados exclusivamente para assumirem o papel de “turba”. O populismo qualitativo hoje é disseminado por televisões e mídias sociais, e ele se opõe quando o deseja aos “pútridos partidos parlamentares”.
    A utilização de uma linguagem empobrecida: O fascismo fala sempre uma nova língua, língua onde o léxico é pobre, a sintaxe elementar, tudo é simplificado e “popular”, um excelente instrumento voltado a limitar o surgimento de qualquer tipo de raciocínio complexo ou crítico.

Ao final de sua prolífica vida intelectual, Eco nos propõe alguns antídotos antifascistas que enumeramos a seguir, com o cuidado de frisar que realizá-lo não é de toda a maneira difícil. Mas que torná-los como uma prática política, educacional, constitutivas de uma sociedade, estas são as questões cruciais.

Um destes contravenenos, talvez o mais importante, seria o pensamento crítico, a reflexão sobre o próprio pensar, a formatação de um pensamento modesto e, finalmente, a popularização do pensar filosófico, por si só questionador.

Buscar a razão sempre, dado que o problema da irreflexão é que aqueles que se conduzem por códigos e regras são os primeiros a aderir e a obedecer. Aquele que não pensa por si mesmo possui um eu que não fundou raízes, é um ninguém. São seres humanos que se recusam a serem pessoas.

Finalmente salientamos que, no entender de Karl Jaspers, psiquiatra e filósofo alemão anti-nazista, ser ninguém é pior que ser mau; esse ser ninguém se revela inadequado para o relacionamento com os outros, porque os bons e os maus são, no mínimo, pessoas. É isto que faz da banalidade do mal, do fascismo, o pior dos males: espalha-se rapidamente sem necessidade de qualquer ideologia, ou apesar de qualquer que seja o viés ideológico.



Nenhum comentário: