Se
o Brasil é um dos países mais desiguais e violentos do mundo, um dos principais
fatores, que ao mesmo tempo é causa e efeito, é o analfabetismo funcional que
abarca um terço da população, enquanto outro terço possui uma alfabetização
apenas sofrível. No entanto, a maioria de nosso povo, pese à incapacidade de
compreensão de textos com um mínimo de complexidade, é dos mais assíduos
“comunicadores” sociais. Praticamente 90% de nossa população vive atrelada ao
que se denomina mídia social, prioritariamente através da disseminação de
imagens e de mensagens faladas, sendo por esse motivo absolutamente vulnerável
à manipulação política e a crer e divulgar aquilo que se convencionou chamar de
“fake news”.
Acrescente-se
a isso um profundo desencanto com um processo político decadente, corrupto e
corruptor, uma enorme revolta e decepção com governos democráticos de esquerda,
uma crise econômica profunda que principiou no último governo petista e que
produziu uma massa de desempregados, desencantados, precarizados e esmoleres,
algo próximo a quarenta por cento da força de trabalho. Também o princípio do
desmonte do Estado que coincide com o segundo mandato de Dilma, reduzindo a
capacidade e a abrangência da Seguridade Social, ancorou uma perspectiva de
“negar tudo” da população menos assistida e da própria classe média, assim como
a busca por um “salvador da pátria”, um “messias” qualquer que ele fosse.
Foi
a partir destas bases estruturais e superestruturais que a população
majoritariamente elegeu representantes que pregam abertamente a misoginia, a homofobia
e que são racial e socialmente preconceituosos. Atrelados a um deus, O Mercado,
este estamento político- religioso- policial- militar, que assumirá o poder em
janeiro, deseja vincular o Estado a certo tipo de igrejas e crenças, ancorando
o exercício da intolerância a princípios religiosos excludentes, toscos e
oportunistas.
Quando
se propalam valores adormecidos desde o Iluminismo e a Revolução Francesa de
1789, sem dúvida caminhamos em direção a uma bifurcação na estrada real da
vida: podemos seguir pelo lado da barbárie, que é o natural, inerente mesmo à
dinâmica do capitalismo (aliás, recordemos Lacan que afirma ser o capitalismo
uma espécie arquetípica do subconsciente humano), cuja eleição de Bolsonaro e
da maioria do Poder Legislativo é um sinal, ou caminharmos para outro lado, tão
complexo quanto novo e inseguro, uma trilha de resistência e redescobertas que
conduza ao Renascer da humanidade intrínseca a nosso povo e de seus valores.
Para
iniciarmos a visualização de uma base de atuação política que permita um
renascer civilizatório, é fundamental que conheçamos em profundidade as origens
e as bases daquelas seitas religiosas que darão o suporte ao Governo Bolsonaro,
que são absolutamente oportunistas e reacionárias, e que se adequam com perfeição
como base supra estrutural do fascismo de oportunidade na destruição de
conquistas democráticas e civilizatórias, papel já desempenhado no passado pela
Igreja Católica, por exemplo, na Itália de Mussolini: trata-se hoje, da imensa
maioria das seitas denominadas
Neopentecostais!
Dentre
os momentos mais marcantes da história da humanidade estão aqueles em que
surgem as Religiões. A ideia que brota quase sempre de um único cérebro
transborda atingindo centenas, milhares e milhões.
Pois
foi, em sua origem, precisamente esse o caso do enorme conjunto de seitas
religiosas, denominadas genericamente de “Religiões Neopentecostais”, que se
desenvolveram nos Estados Unidos da América a partir da última década do século
XIX e empolgam, no século XXI, parcelas crescentes da humanidade em quase todos
os continentes.
Os
neopentecostais abrangem mais de dezenove mil denominações e congregam acima de
trezentos milhões de seguidores em todo o mundo (dados de 2010, portanto, já
desatualizados). Possuem mídia televisiva e forte presença em todos os outros
canais próprios de divulgação de massa. Em nosso País tinham como alvo elegerem
uma formidável bancada de deputados e senadores e de alguma forma alcançarem o
Poder Central da República e o conseguiram!
Estima-se
que as seitas no geral movimentem mais de trinta bilhões de dólares anuais, boa
parte dos quais com isenção de impostos e à margem de controles formais, num
permanente e complexo caixa paralelo. No Brasil estima-se de modo conservador
que o mercado da fé movimente mais de dois bilhões de dólares anuais!
Ao
analisarmos as diferentes correntes pentecostais encontraremos muitos pilares
comuns como a “doutrina da prosperidade”, da “confissão positiva”;
descortinaremos também que “a pobreza e a doença derivam de maldições, de
fracassos, das vidas em pecado ou da falta de fé religiosa” e, em decorrência
desses preceitos, um “verdadeiro cristão” deveria ter a marca da plena fé, ser
bem-sucedido financeiramente, possuir saúde física, emocional e espiritual.
Outro
pilar que lhes é comum é a permanente batalha espiritual entre os componentes
da “Santíssima Trindade” e o Diabo, trazendo um renascer de conceitos
medievais, tais como o confronto direto entre o homem e os demônios, as ditas
maldições hereditárias, a posse dos crentes pelas forças “magnéticas” do mal.
Não poucas vezes aqueles “pastores” ou “médiuns” operam “curas milagrosas” para
doenças psíquicas ou físicas, chegando mesmo ao ponto de negação da
materialidade dos males que afligem os homens. Desenvolveram ainda formas
arcaicas de encarar a fé religiosa, tendo por foco a busca de revelações
diretamente feitas por Deus ou pelo Espírito Santo a seus “pastores”, “bispos”
ou “apóstolos”, em relações de privilégios nas quais o rebanho é conclamado a
inserir-se.
A
unirem as mais variadas seitas estão aspectos socialmente reacionários como os
preconceitos claros ou encobertos contra a homossexualidade e a misoginia que
retira a possibilidade da mulher decidir sobre seu próprio corpo.
O
contraponto dessas filosofias que negam a realidade e a evolução, que
mistificam o conceito do divino, é o seu mais cru materialismo assentado numa
estreitíssima aliança do espiritual com o dinheiro e os créditos bancários.
Elas substituem o ensinamento de Cristo “dai a César o que é de César e a Deus
o que é de Deus”, por um avatar que não lhes é exclusivo, mas que em nenhuma
religião é tão explícito: uma moeda onde o lado “cara” tem a figura de Cristo,
e o lado “coroa” a imagem do dinheiro, preferencialmente o Dólar, na sua
carência vale o Real.
A
maioria das seitas é quase sempre totalitária. Anseiam pela exclusão do Estado
laico, atrelando, por exemplo, a educação a formas do criacionismo bíblico. Não
constitui espanto o surgimento da Escola sem Partido, por mais esdrúxulo e
incrivelmente estúpido que o mesmo possa parecer. Em nosso Brasil, em aliança
com as bancadas legislativas da Bala e do Boi, congregarão mais de 50% das
cadeiras federais.
A
seta da história aponta para a “Ciência de Cristo”, como a inspiradora de todas
as religiões neopentecostais subsequentes. Essa seita, fundada em 1886 por Mary
Baker-Eddy, possui ainda hoje, um século após a morte de sua fundadora e
“imperadora” como ela se fazia chamar, quase mil e novecentas igrejas, estando
presente em setenta e seis países. A “bíblia” desse movimento, escrita por
Baker-Eddy denomina-se “Ciência e Saúde
com a Chave das Escrituras”, um best-seller por décadas. Em 1995, “Mother Mary”
foi incluída no Hall da Fama de Hollywood e, em 2002, uma Biblioteca com seu
nome e totalmente dedicada aos seus escritos foi franqueada ao público.
A
“Grande Basílica” da seita, inaugurada em 1906, com a qual o Templo de Salomão
do “Bispo” Edir Macedo, instalado em São Paulo ainda no governo Dilma tem a
pretensão de concorrer, possui capacidade interna de recepção para vinte mil
crentes.
Deve-se
assinalar que o jornal publicado pela “Ciência de Cristo”, “O Monitor”, ganhou
ao longo de décadas sete prêmios Politzer, assumindo, inclusive, em
determinados momentos históricos, posições progressistas e respeitáveis em
defesa dos direitos humanos, sendo que isto se passou após mais de cinquenta
anos da morte da fundadora. De uma maneira geral pode-se dizer que essa crença,
tendo sido a grande precursora das seitas neopentecostais, no decorrer dos anos
perdeu sua belicosidade inicial e aproximou-se daquelas correntes evangélicas
mais tradicionais, tornando-se menos autoritária e excludente.
Mas
foram suas sementes originais de intolerância, ganância e poder político que
gerariam milhares de outras seitas. A “Ciência e Saúde com a Chave das
Escrituras” influenciará de modo direto, na primeira década do século XX,
homens como E. W. Kenyor, o inspirador da “Teologia da Prosperidade” e K. Hagin
o fundador da primeira “Assembleia de Deus”, que ele inaugura após um propalado
batismo pelo “Espírito Santo”, em 1937.
Da
mesma maneira, a “Ciência de Cristo” inspirará o tele evangelismo, que desde a
década dos anos oitenta frequenta diversos canais da televisão aberta e a cabo,
a bordo do qual embarcam prestigiadores como o já citado “bispo” Edir Macedo,
Malafaias e outro que tais. Edir Macedo é paradigmático: antigo pesquisador do
IBGE na década de 1970, católico desde nascença, teve sua “revelação” em 1976 (
um copo de água ferveu ao ser colocado sobre um rádio a válvulas) e fundou, em
1977, a hoje multinacional da fé denominada “Igreja Universal do Reino de
Deus”.
Mas
voltemos a Mary Baker. Ela nasce em uma família pobre, no ano de 1821. A menina
fisicamente frágil tem dificuldade em acompanhar os estudos escolares e os
abandonará prematuramente antes da conclusão do primeiro grau. Transforma-se em
uma adolescente indolente que prima por chamar a atenção dos familiares sobre
si, num ar incontido de presunção e superioridade. A cada vez que é contrariada
pelos parentes, desenvolve “ataque dos nervos” os quais adotará por toda a
vida, como seu método pessoal de tiranizar as pessoas. De todos os modos, a mocinha
chegará à idade adulta sem jamais haver trabalhado, nem mesmo nos afazeres
domésticos.
Para
alívio de seus pais e irmãos, Mary casa-se aos vinte e dois anos com um jovem
chamado Glover; viajam para o oeste e estabelecem seu lar. Mas, por um desses infortúnios
da vida, após apenas um ano e meio de casada e estando grávida, morre-lhe o
esposo. Ela regressa à casa dos pais e volta a sofrer de “ataques nervosos”.
Nascido seu filho, ela descobre que a maternidade é um “serviço” que tão pouco
lhe atrai e decide desfazer-se da criança.
Novamente
repetem-se as cenas da adolescência em que ninguém se atreve a contradizê-la
para evitar os conhecidos achaques. Ela seguirá levando uma vida parasitária
até os cinquenta anos de idade, tendo sido sustentada primeiro pelo pai, depois
pela irmã e finalmente pela caridade alheia.
Enquanto
tudo isso ocorre, na distante Portland chega certo discípulo do alemão Messmer
e traz para a América a novidade do hipnotismo, uma alternativa para a “cura”
dos males do espírito. Um relojoeiro de nome Quimby interessa-se pelo método e
começa uma espécie de pesquisa em que anota todos os efeitos da hipnose sobre
os “médiuns” e os enfermos. Na sua simplicidade Quimby percebe que pode
auxiliar pessoas doentes, mesmo dispensando o recurso do hipnotismo, e, também
que pode viver de suas “curas”. Então o “Dr. Quimby” desenvolve um método
próprio, que ele denomina “Cura pela Mente”, como “Jesus Cristo fizera antes
dele dezoito séculos atrás”.
Mary
Baker ouve falar dos resultados desses tratamentos e decide que quer se curar.
Em 1862, consegue arrancar dinheiro dos familiares e viaja até Portland,
submetendo-se de corpo e alma a Quimby. Ora, ela possuía uma predisposição para
o “milagre” do Dr. Quimby e além disso, busca em si mesma a “vontade de possuir
saúde”, afinal, aquela era sua última cartada para que um “prodígio”, fazendo-a
“crescer acima de todos”, pudesse acontecer. Se voltasse no mesmo estado de
enferma para a sua cidade seria desprezada e, se curada, ela seria o próprio
prodígio!
Ao
final de uma semana de tratamento, a inválida está completamente curada;
rejuvenesce e faz brotar em si mesma uma energia que a fará, em breve, subjugar
e fazer-se sentir por milhões de pessoas. Faz com que Quimby empreste-lhe todas
suas anotações, as tais “Perguntas e Respostas” de suas pesquisas, que ela, à
noite, copia.
Ao
retornar à casa da irmã, Mary Baker é, no seu próprio dizer, uma pessoa que
“ressuscitou como Lázaro” e faz de Quimby “um continuador de Cristo”. Sobre
esses fenômenos profere palestras, promove demonstrações, enfim, pratica um
ensaio geral sobre o que fará apenas dez anos após. Parte de New-Hampshire onde nada e ninguém mais a
amparará e viaja com sua pequena maleta para a vizinha cidade de Lynn.
Ainda
faltam anos para que ela se transforme na mulher mais bem sucedida do princípio
do século XX. Por enquanto, andará de casa em casa como uma parasita. Pessoas
simples a acolhem como a uma peregrina, a “profetiza” que fala de curas
maravilhosas. No entanto, nenhuma de suas estadas durará muito, Mary Baker não
possui o mais tênue sentimento de gratidão para quem a ajude ou sustente.
Sempre tentará subjugar e usar a todos os que lhe deem guarida. Seu caráter
dominador, tirânico, suscita sempre conflitos e desavenças com as pessoas, inevitáveis
consequências de uma presunção incontida.
Tem
consciência de que seu temperamento instável e irritadiço é incapaz de “curar
pela mente”. Para tanto seriam necessários empatia, calma, ouvidos, domínio e a
paciência de um Quimby. Logo, ela precisa de um mediador. Para tanto publica
anúncios em jornais, buscando aquele que “deseje aprender a curar enfermos”. O
seu primeiro discípulo aparecerá em 1870, um jovem operário de nome Kennedy.
Ela, mediante um contrato escrito em que cada um ficará com metade dos
proventos, irá treina-lo em sua “ciência”.
A
dupla arrenda uma sobreloja, onde também residirá, ele praticando sua
“medicina” (a árvore em frente ganha uma tabuleta: “Dr. Kennedy- Ciência de
Cristo”) e ela escrevendo, a tudo controlando. O êxito é tão grande que em três
meses alugam também a loja abaixo. O plágio de Quimby é absoluto. Kennedy
decora e repete: “Que o homem é divino, que Deus não quer o mal e, portanto, a
dor, o mal e a enfermidade não existem. Os males não são senão imaginações, um
erro de que a gente deva se livrar”. Alguma semelhança com a campanha de
determinadas seitas movem nos dias de hoje contra a vacinação necessária das
crianças?
Em
determinado momento Mary Baker decide que já não lhe basta. Quer reunir mais
apóstolos que levem ao mundo a não existência das doenças. A mestra de a
“Ciência de Cristo” começa a formar seus “médicos” em cursos de seis semanas de
duração. O êxito de Kennedy, que chega a faturar doze mil dólares por mês,
atrai dezenas de operários e pequenos comerciantes para os cursos. Ela a
princípio cobra-lhes cem dólares e, posteriormente, trezentos pelo curso e, por
contrato, 10% de todos os ganhos futuros.
Mary
Baker sente o fumo do sucesso e desde esse primeiro momento tenta patentear
“suas descobertas” e convertê-las em dólares. Embora em sua crença não exista a
matéria só o espírito, as notas bancárias são mais que reais para essa mulher.
Após
dois anos de parceria Mary Baker deseja livrar-se do pacífico Kennedy. Do dia
para a noite ela suprime a prática de se tocar no paciente, na qual Kennedy
fora treinado e a qual praticava. Era a primeira de muitas excomunhões que
faria: de seus lábios convulsos brotaram todas as monstruosidades imaginárias.
Atribui a Kennedy tal de “influxo diabólico”, que é a própria necromancia
medieval renascida. Com esse processo a sua “Ciência de Cristo” criará mais um
pilar de sustentação: “o magnetismo animal malicioso”.
Mary
Baker se auto promove como “a enviada de Deus para guiar seu rebanho na Terra”.
Todos os domingos ela reunirá seus discípulos para a prédica dominical,
acompanhada por música coral e piano. Ascende de professora a sacerdotisa,
transformando sua terapêutica em sacerdócio.
Nega,
desde sempre, todo o seu passado e apaga qualquer referência que um dia fizera
a Quimby, “a quem jamais conhecera”. Sendo necessário criar uma “Legenda Áurea”
sobre si mesma, toda a infância da sacerdotisa é agora recontada, incluindo
entrevistas com anjos e Joana D’Arc. Ela própria define como sendo em 1866 o
momento de “sua graça” (após a morte de Quimby, naturalmente), de sua
revelação, quando o Senhor apareceu-lhe diretamente e inspirou-lhe a “Ciência
de Cristo” e as leis divinas da vida. Mary Baker e sua metafísica entram para o
reino do absurdo e nesse movimento lança as pedras fundamentais de todas as
futuras seitas neopentecostais dos séculos XX e XXI!
Ela
tornará a casar-se e seu terceiro marido será um dos discípulos, agora
apóstolos, Gilbert Eddy, em 1887. Apesar de enriquecida, Mary Baker-Eddy sabe
que todas as religiões em seus estágios embrionários não podem se permitir
cismas, que possuem a possibilidade de destruir todo seu edifício. Contra todos
aqueles que buscam caminhos independentes do seu ela, além da excomunhão, move
processos na justiça dos homens. Chegará mesmo ao ponto de processar um
ex-apóstolo por bruxaria, isso quase no século XX. O juiz encarregado do caso
sorri na face daquela mulher magra e grisalha, colérica e que mal se contém de
ódio, aquela que se diz “enviada pelo Espírito Santo”. O juiz declara-se
incapaz de julgamentos cabalísticos e encerra uma de suas dezenas de processos.
A
imprensa começa a indagar sobre as origens de tal sacerdócio e o prestígio de
Mary Baker-Eddy ameaça desmoronar na pequena Lynn. Ela toma uma das grandes
decisões de sua vida. Buscará nova cidade grande o bastante para seus projetos.
Com todo o dinheiro acumulado irá mudar-se para Boston, carregando consigo
apenas o marido Gilbert, cuja saúde não resistirá. A viúva declarará que a
morte do marido ocorrera devido ao “arsênico metafísico”, um veneno mental
emitido pelos demônios excomungados por sua fé.
Em
Boston, ela adquire uma residência de três andares, na Avenida Colombo, a mais
elegante da cidade. Decora cada ambiente com esmero, quadros e tapetes. Seus
alunos serão pessoas “refinadas” e não mais os pobres de Lynn. Sua nova escola
é nomeada de: “Universidade Metafísica de Massachusetts”, com uma autorização
de funcionamento comprada dos agentes do Estado de Massachusetts. Alguma
semelhança com a “Universidade” pentecostal recém aprovada em Brasília?
Todo
domingo Mary Baker-Eddy sobe ao púlpito e o público que superlota a sua
Universidade-Igreja retém a respiração perante sua ardente oratória. Desde
então sua figura somente será vista em momentos especiais, criando ao redor de
si uma auréola de mistério e encantamento. Para evitar os tropeços do passado
ela erguerá anteparos que a distanciem de quem foi e de quem é: serão
secretários, atendentes, advogados.
Ela
também conhece muito bem a América de 1890 e sabe que aquele que deseje
conquistá-la deverá primeiro ganhar a consciência das massas, com o
ensurdecedor ribombar da propaganda. Sabe também, como saberão todos os futuros
líderes das seitas neopentecostais que qualquer produto deve buscar atender
seus consumidores, identificar suas necessidades e criar novas. Assim, Mary
Baker-Eddy usará e abusará da publicidade. Cria o primeiro serviço de
atendimento telefônico-religioso; em seguida, funda o “Jornal da Ciência de
Cristo”, que com asas de mercúrio chegará a todos os recantos de Norte-América,
trazendo a boa nova das curas de Boston, um novo método de “medicina
universal”.
Desde
Nova York, Filadélfia e New Jersey chegam enfermos, muitos dos quais se
tornarão apóstolos da nova doutrina. E cada novo “doutor” trabalhará para
aumentar as assinaturas do jornal. E, desde então, novos alunos sempre
acorrerão a Boston.
A
engrenagem funciona a todo vapor. Deste modo, entre 1890 e 1900 teremos trinta
e três “Academias para doutorado” na “Ciência de Cristo”, distribuídas por
quase todo o território americano. A bíblia “Ciência e Saúde” alcança a
espantosa cifra de trezentos mil exemplares vendidos.
A
cobiça de Mary Baker-Eddy não encontra limites e por isso a “Ciência de Cristo”
será organizada dentro das melhores bases comerciais e contará com
profissionais em áreas-chave. Logo surgirão souvenirs, imagens, fotos
autografadas da fundadora, mais e mais livros, folhetos, até mesmo utensílios
domésticos. Todo o dinheiro das doações recolhidas pela Universidade e
percentagem das Academias irá para a conta bancária de “Mother Mary”; dezenas
de milhões de dólares que serão aplicados na construção de Templos e em
esplêndidas mansões de retiro.
O
prestígio de Mary Baker-Eddy aumenta dia a dia. A cada aparição sua um público
de dez, quinze mil pessoas aglomeram-se para ouvi-la falar. Em Chicago ela
organizará sua primeira “Festa do Espírito”, em 1888, consagrando-se de vez.
Mary assume-se com “A Profetiza” e decide construir o “Templo da Profetiza de
Cristo”. É sua própria santificação!
Em
seu discurso ela sempre associa os democratas e socialistas a demônios que
buscam povoar a terra e delas expulsar as ovelhas de Deus. Ela, Mary Baker, será
sua guardiã! Assemelha-se com as exortações “anticomunistas” dos pregadores de
hoje em dia?
Ao
abrirem-se as janelas do século XX, a igreja de Mary Baker-Eddy estará entre as
quarenta maiores empresas norte-americanas, e uma das dez mais lucrativas. É
chegada a hora do profissionalismo. Mary Baker define uma organização
absolutamente piramidal de poder e de lucros. Cria um “Board of Directors”, do
qual será a C.E.O., e todas as centenas de igrejas implantadas terão de manter
uma obediência irrestrita à “Santa Madre Igreja”. Instruções específicas
garantem percentagens de repartição dos lucros, métodos de contabilização dos
resultados e impedem qualquer tipo de heresia doutrinária. Alguém tem dúvida a
respeito do mestre que realmente inspirou um tipo como Edir Macedo e seu
poderosíssimo negócio da fé?
Assim
como o juiz de Lynn lhe desnudara a hipocrisia e a paranoia pecuniária, agora
surgia a voz do jornalista, humorista e intelectual, Mark Twain,
desmascarando-a: como Mary Baker dizia que o livro “Ciência e Saúde” lhe havia
sido ditado por Deus, por que ela cobrava direitos autorais sobre algo que só à
divindade seria devido? E, neste caso, quais as contas bancárias de Deus?
Mark
Twain jamais a abandonaria em suas críticas enquanto ela vivesse. Ele denuncia
na imprensa como sendo uma patranha a religião que somente se ocupa em acumular
dinheiro para si mesma e para seus próprios membros, sem jamais preocupar-se em
praticar a caridade ou em possuir um mínimo de altruísmo. E interroga-se:
quando ela se aventuraria pela política? Não se faria esperar. Nas eleições
legislativas de princípios do século XX, a bancada patrocinada pela Igreja de
Baker chegaria a mais de vinte parlamentares. Em nosso país a fome dos
neopentecostais pelo poder é inesgotável!
As
respostas de Mary Baker-Eddy a quaisquer questionamentos sempre foram de um
total cinismo, quando não de cólera. Por exemplo, diz que “Deus ordenara-lhe a
cobrança para cada graça requerida, pois o cordeiro, para obter a graça, teria
que sacrificar-se antes, pagando”. Hoje
não ouvimos essa mesma frase reverberar nos templos da Igreja Mundial?
Apenas
e tão somente a vida será capaz de desmistificar aquela grande charlatã: ela
envelhece, perde seus dentes, os membros se entorpecem, surge dificuldade de
fala e já não escuta o que lhe dizem; os cabelos escasseiam e as rugas se
aprofundam. Não é a sua religião que afirmava que a doença e a velhice não
existiam?
Mas
as proporções de seus negócios se haviam tornado colossais. Quando a fundadora
completa oitenta anos, sua igreja contava com mais de cem mil discípulos
praticantes; os seus templos de pedra e mármore se disseminavam pela América;
de toda a Europa surgiam mais e mais adesões e a fortuna pessoal da “Mother”
era estimada em mais de dez milhões de dólares aos valores da época, ao redor
do 2 bilhões nos valores de hoje.
Aos
oitenta e dois anos, Mary Baker-Eddy encara um novo desafio, lançado pelo já
fundado Templo de Nova York: erguer uma Basílica muito maior que o templo
nova-iorquino para a Congregação das
Igrejas! Essa Basílica, que constitui ainda hoje um dos mais belos
edifícios de Boston, foi construída com doações que chegaram a dois milhões de
dólares. Foi inaugurada em 1906 ao som do hino: “Pastor, indica-me o caminho”.
Hino modificado, mas sempre repetido pelas novas seitas nos últimos cem anos.
A
multimilionária Mary Baker-Eddy morre no auge de sua fama, dona de imenso poder
não somente sobre sua religião, mas, também, sobre grande parcela dos
Congressistas americanos, aos quais bancara eleições e reeleições, aos oitenta
e nove anos de idade, no ano de 1910.
A
senda por Mary Baker-Eddy aberta é disputada nos dias de hoje, por quase
dezenove mil seitas, algumas de grande sucesso, utilizando as mesmas bases
metafísicas que ela introduziu há mais de um século e que podem ser resumidas
na união maquiavélica e perniciosa da religiosidade com o dinheiro, na
exploração da crendice popular e na busca pelo poder terreno!
No
Brasil, o maior e mais representativo grupo dessa corrente é a Igreja Universal
do Reino de Deus, seguida pela Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja
Renascer em Cristo, a Igreja Mundial do Poder de Deus, a Igreja Apostólica
Fonte da Vida, a Igreja Batista Nova Jerusalém, a Igreja Nacional do Senhor
Jesus, Comunidade Cristã Paz e Vida e muitas igrejas dissidentes fazem parte ou
se aproximam do Protestantismo Apostólico, que aceitam apóstolos, bispos e
pastores ou missionários presidentes que norteiam o rumo de suas igrejas no
País e pelo mundo. Pregadoras de um evangelismo massivo, o negócio da fé possui
ou se utiliza de TVs, rádios, jornais, editoras e, principalmente a chamada
mídia social.
Um
dos discípulos de Baker-Eddy na atualidade é também um dos mais próximos
conselheiros filosóficos e espirituais do Presidente Eleito do Brasil. Trata-se
de Olavo de Carvalho, um impostor que se faz passar por filósofo e astrólogo,
com residência no USA desde 1989. Por exemplo, Olavo de Carvalho criticou nada
menos que Isaac Newton, a quem acusa de ter disseminado “o vírus da burrice na
Terra.” A crítica estapafúrdica estende-se ainda a Giordano Bruno, que segundo
ele, “não fez nenhuma descoberta metido que era em magia negra”, assim como ao
próprio Galileu. Tão pouco acredita no aquecimento global e desqualifica o
potencial perigo da AIDS que intitula “doença de gays”, fruto de “propaganda da
indústria farmacêutica”. Atualmente empenha-se em projetos como “Escola sem
Partido”, defendendo abertamente a gravação de aulas a serem proferidas em
escolas. Para ele e seus discípulos a encanação do mal na Terra é representado
pelos comunistas. Interrogados sobre quem seriam os comunistas sua comunicação
é peremptória: todos os que defendem valores que podemos classificar como
civilizatórios!
http://proust.net.br/blog/?p=1444
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