Corria
o ano de 1994, quando Mino Carta me convidou para escrever na revista que
acabara de criar. O SUS era uma criança de 6 anos.
Foi
a maior revolução da história da medicina brasileira. Nenhum país com mais de
100 milhões de habitantes ousou oferecer saúde gratuita a todos, sem exceção.
Antes
da existência do SUS, os pacientes sem condições financeiras para arcar com os
custos médicos ficavam limitados ao antigo INPS (desde que trabalhassem com carteira
assinada). Os demais eram rotulados como indigentes, portanto dependentes da
caridade pública.
Não
obstante as deficiências, desorganização, uso político, corrupção e demais
desmandos do SUS, no curto espaço de 30 anos implementamos o maior programa
gratuito de vacinações, de transplantes de órgãos e de tratamento da infecção
pelo HIV,do mundo inteiro.
Nosso
programa de saúde da família é considerado pelos organismos internacionais um
dos dez mais importantes da saúde pública mundial. As transfusões de sangue se
tornaram seguras graças aos hemocentros do SUS; o Resgate socorre pessoas no
Brasil inteiro.
Essas
conquistas convivem com o subfinanciamento crônico, as filas nos serviços de
emergências e nos ambulatórios, a demora para marcar exames e conseguir
internações hospitalares e as dificuldades de acesso a cuidados médicos de
qualidade.
Os
recursos disponíveis à Saúde Suplementar e ao SUS expõem a desigualdade
brasileira: cerca de 140 bilhões de reais para cuidar de 50 milhões de
beneficiários dos planos de saúde, contra 230 bilhões destinados aos 150
milhões dos que dependem exclusivamente do SUS.
O
SUS é um projeto em construção a ser aprimorado pelos médicos e administradores
de hoje e pelos estudantes que cursam o número absurdo de faculdades de
medicina espalhadas sem critério reconhecível, pelo país afora. Estudando em
escolas medíocres, estarão à altura desse desafio?
Por
outro lado, nesses 30 anos, testemunhamos um salto de qualidade técnica da
medicina que não encontra paralelo na história da humanidade. Vimos surgir as
imagens dos órgãos internos reveladas com nitidez pelos ultrassons, tomografias
computadorizadas, ressonâncias magnéticas, cintilografias, PET-scans,
endoscopias.
Quando
me formei, os grandes problemas nacionais eram as doenças infectoparasitárias,
que, embora ainda persistam, são menos prevalentes do que as enfermidades
degenerativo-crônicas. A faixa etária da população que mais cresce é a que está
acima dos 60 anos. Hoje, somos 19 milhões, em 2050 seremos 40 milhões.
O
envelhecimento populacional dos últimos 30 anos levou 60 para acontecer na
Europa desenvolvida.
Os
brasileiros envelhecem mal: temos pelo menos 14 milhões de pessoas com
diabetes. Metade das mulheres e homens chega aos 60 anos com hipertensão
arterial. Doenças cardiovasculares e câncer disputam o título de principal
causa de morte. A obesidade virou epidemia: 52% dos brasileiros estão acima do
peso. Os quadros demenciais estão presentes em grande número de famílias.
Nos
últimos 30 anos, os avanços da pesquisa pura e da biologia molecular produziram
uma avalanche de informações sobre a natureza íntima do DNA, RNA e das
proteínas envolvidas em processos infecciosos, inflamatórios, degenerativos e
neoplásicos. Esses conhecimentos darão origem à medicina personalizada, que
levará em conta a biodiversidade humana, e aos transplantes de células-tronco e
de genes que corrigirão defeitos genéticos ou adquiridos.
O
domínio das informações que brotam incessantemente das bancadas dos
laboratórios e dos estudos clínicos internacionais com milhares de
participantes está além da capacidade humana para digeri-las.
Sem
a ajuda da informática e de supercomputadores que aprendem com a experiência –
como os que conceberam o Watson, da IBM –, não haverá como reconhecer-lhes a
prioridade e incorporá-las à prática. O médico que toma decisões não amparadas
em evidências científicas sólidas será uma figura tão ultrapassada quanto a dos
que aplicavam ventosas e propunham sangrias.
Os
próximos desafios serão os de levar os benefícios dessa medicina altamente
tecnológica ao restante da população. Tarefa para gerações, porque exigirá a
reinvenção de um SUS que ainda nem conseguimos implantar com a abrangência
desejável.
Os
custos dessa nova medicina serão tão altos, que talvez venhamos a nos
convencer, finalmente, de que o investimento preferencial deve ser na
prevenção. Impedir que as pessoas fiquem doentes evita sofrimento e sai bem
mais em conta.
Do Racismo Ambiental

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