Confira,
em 4 pontos, como a PEC 55 (antiga PEC 241) afetará também as políticas LGBT,
podendo significar um golpe irreversível para os avanços já conquistados na
área
A
PEC 55 (antiga PEC 241), aprovada em segundo turno no Congresso Nacional,
congelará os gastos públicos por 20 anos. Ela vem ganhando ampla visibilidade
na mídia, mas o que está em disputa na esfera pública são as razões e os
impactos que a emenda trará para o Brasil.
No
debate sobre os impactos da PEC, a posição oficial do governo defende que ela é
o único meio para salvar o Brasil da crise. Essa posição, no entanto, tem
sofrido duras críticas que afirmam que as medidas são desnecessárias, que
alternativas de enfrentamento da crise existem e que caso aprovada, a PEC 55
terá efeitos perversos para o Brasil como um todo.
Para
além dos impactos mais gerais, a PEC 55 afetará também as políticas LGBT,
podendo significar um golpe mortal nessas. Para entender isso, precisamos falar
de algumas coisas, são elas:
1)
a PEC produz um cenário de escassez de recursos; 2) A competição por recursos
amplia em um cenário de escassez; 3) As políticas LGBT não são consideradas
prioritárias; 4) a PEC 55 fornece uma boa desculpa para o desmantelamento
afetivo das políticas LGBT existentes.
Agora,
vejamos uma a uma.
1. A PEC
produz um cenário de escassez de recursos
A
escassez é produzida pela combinação de dois elementos da PEC 55. Primeiro, a
emenda cria um teto máximo de gastos que cada ente pode realizar. Segundo, a
distribuição de recursos para a saúde e a educação é alterada. Tanto o teto,
quanto o piso mínimo da saúde e educação são fixados com base nos gastos do ano
anterior e apenas corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).
É
diferente da forma como atualmente a Constituição prevê os gastos mínimos com
saúde e educação, que são baseados na receita, ou seja, no montante de recursos
recebidos por meio dos impostos. Caso a arrecadação suba, pela regra atual, o
gasto mínimo deveria subir proporcionalmente, já com a regra da PEC, o valor
não deveria subir, mas apenas ser reajustado segundo o IPCA. Segundo estudo do
IPEA, essa combinação implicará não só num congelamento, mas num
desinvestimento nessas áreas. Sabemos que saúde e educação são duas áreas
fundamentais para o país e que apesar de já termos caminhado no sentido da
universalização de ambos, ainda temos uma série de precaridades. É comum, por
exemplo, ver notícias de falta de materiais básicos em postos de saúde.
A
combinação do teto global com o congelamento do piso mínimo da educação e saúde
produz, então, um cenário de escassez de recursos, justamente em áreas que são
cruciais para as políticas LGBT.
2. A
competição por recursos amplia em um cenário de escassez
Já
que existe limite máximo de gastos, ampliar o investimento em uma área
significa reduzir o investimento em outra. Como os recursos são escassos, é
importante agir com cautela e gastar apenas com aquilo que é considerado
prioritário, para não prejudicar outra política. Quem define o que é
considerado “prioritário“, dentre o recurso disponível para se gastar
livremente, é o próprio governo, levando em conta os interesses próprios e das
alianças políticas estabelecidas para se chegar ao poder e se manter ali.
3. As
políticas LGBT não são consideradas prioritárias
Se
nos governos anteriores, que dialogavam com os movimentos LGBT e foram
responsáveis pela criação da maioria das políticas públicas LGBT no Brasil,
essas políticas jamais foram consideradas prioritárias, esse governo também não
as considerará. O reforço das famílias tradicionais apareceram desde os
discursos na votação do impeachment, até em algumas políticas como no programa
Criança Feliz. A PEC 55 é a contra-face da defesa da família, como argumentou
Flávia Biroli.
Sendo
assim, é improvável que novas políticas LGBT surjam e caso surjam serão apenas
simbólicas, com recursos precário, impossível de funcionarem adequadamente.
Algumas políticas que demandam poucos recursos podem continuar a existir, mas
ainda mais precarizadas, com menos funcionários e verbas para execução dos
projetos e ações.
Na
prática, podemos pensar na Política Nacional de Saúde Integral LGBT. Essa é uma
política ampla, de origem nacional, mas que envolve os três poderes e possui
uma série de ações, como: cursos de capacitação para profissionais de saúde
para lidar com a população LGBT e suas demandas específicas; desenvolvimento de
pesquisas sobre saúde LGBT; e todo o processo transexualizador.
Por
meio do processo transexualizador, o governo transfere uma verba para os
hospitais selecionados estruturarem o serviço e começar a oferecer
acompanhamento clínico, hormonioterapia, cirurgias de transgenitalização,
dentre outros serviços. Além dos hospitais já em funcionamento, existem alguns
pedidos de cadastramento. São hospitais que possuem todas as condições para
realizar esses serviços, estão apenas esperando o deferimento do Ministério da
Saúde. É provável que a PEC impacte nisso, indeferindo novos cadastramentos,
uma vez que envolve a transferência de recursos para o hospital.
4. A PEC 55
fornece uma boa desculpa para o desmantelamento afetivo das políticas LGBT
existentes.
A
PEC irá congelar os gastos com as políticas como estão, mas há a possibilidade
de ir além, de que o discurso do equilíbrio das contas públicas funcione como o
argumento perfeito para o corte daquelas políticas consideradas indesejadas.
Nesse discurso, não é que o governo Temer seja contra as políticas LGBT, mas a
necessidade de fazer pequenos sacrifícios para o bem do país justificaria o
corte, essas políticas poderiam esperar. O perverso desse argumento técnico é
que ele foge do padrão comum conservador e é capaz de convencer, inclusive,
pessoas favoráveis às políticas LGBT. Em nome da reestruturação do País, essas
pessoas aceitam esperar alguns anos a mais na geladeira das políticas públicas,
acreditando que uma vez que esse período de aperto passar, virá um momento em
que essas políticas serão criadas e dessa vez sem problemas orçamentários, pois
o país estaria fora da crise. Ledo engano.
O
governo Temer ao propor a PEC 55 revela claramente qual é o seu projeto de
sociedade. Dentre o leque de escolhas possíveis, o governo opta por cortar os gastos
de saúde e educação, por perpetuar noções de família e sociedade tradicionais,
que não incluem pessoas LGBT e colocam mulheres em papeis secundários,
relegadas ao cuidado e ao lar. Analisei anteriormente que o impeachment
ameaçava os direitos e políticas LGBT, a PEC 55 é o instrumento que pode
concretizar essa ameaça. Estudantes por todo o país já perceberam os riscos e
começaram a se mobilizar, ocupando diversas escolas e universidades. A
mobilização é fundamental nesse momento, mesmo que improvável, ainda há chances
de que o Senado barre essa emenda que ameaça o futuro de nosso País.
Fonte.
Pragmatismo Político
Thiago
Coacci, BrasilPost
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/11/pec-afeta-direitos-politica-lgbt.html
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