“Não
gostamos muito do fato de que o chanceler (José) Serra tenha vindo ao Uruguai
nos dizer – ele fez isso publicamente, por isso digo – que pretendiam suspender
a passagem (da presidência do Mercosul para a Venezuela) e que, se ela fosse
realmente suspensa, nos apoiariam em suas negociações com outros países, como
se estivesse tentando comprar o voto do Uruguai”, disse Rodolfo Nin Novoa,
ministro das Relações Exteriores uruguaio, aos deputados de seu país, em 10 de
agosto, durante uma audiência da Comissão de Assuntos Internacionais.
A
denúncia de Novoa provocou um previsível desmentido do Itamaraty, que não
convence ninguém. A tentativa de “comprar” o voto do Uruguai contra a Venezuela
está plenamente de acordo com a política externa adotada pelo governo golpista:
abandonar, ou deixar à míngua, o Mercosul e os Brics (bloco formado por Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul), privilegiando a participação do Brasil
nos tratados ultraliberais em fase de negociações, como o Tisa (comércio de
serviços), o TPP (transpacífico) e o Tafta (transatlântico), conforme deseja a
Casa Branca.
Pelo
andar normal da carruagem, que prevê o rodízio de países na presidência do
Mercosul, a Venezuela deveria assumir, neste semestre, o comando da aliança,
mas Brasil, Paraguai e Argentina se opõem à medida, tendo como pretexto o
cenário de crise política e econômica no país. Do ponto de vista “doutrinário”,
os golpistas alegam não poderem aceitar a Venezuela, por Caracas não ter
assinado o Protocolo de Ushuaia, que impõe o respeito à democracia e aos
direitos humanos como condição para participar do Mercosul.
Coube
ao deputado Jean Wyllys (PSol) dar a melhor resposta: “Um governo que chega ao
poder sem respeitar o voto de 54 milhões de brasileiros não se pode atrever a
dar lições de democracia”. Se um dos primeiros alvos da política externa do
governo golpista foi a Venezuela, isso se deve precisamente ao fato de Caracas
ser a “besta negra” da esquerda latino-americana (independentemente do desastre
ambulante chamado Nicolás Maduro).
Trata-se
de abandonar qualquer propósito de voo livre, ainda que de curta amplitude, e
submeter-se completa e passivamente às determinações de Washington. É preciso
acabar com essa história de concluir acordos regionais para proteger os
respectivos mercados (como no caso do Mercosul), e de traçar estratégias de
bloco que criem alternativas fi nanceiras às instituições controladas por
Washington (como no caso dos Brics, que decidiram criar o seu próprio banco
central).O governo golpista não esconde sua aversão à participação do Brasil no
Mercosul e nos Brics. Ao contrário, assim que assumiu o cargo de ministro, em
12 de maio, Serra declarou que sua intenção era “despolitizar” a política
externa brasileira, para abraçar uma perspectiva “pragmática” e “sem
ideologia”. O Mercosul – e, em outra dimensão, os Brics –, para o novo
ministro, é uma plataforma anacrônica e ultrapassada, que apenas atrapalha a
realização de acordos bilaterais, em nome de uma política externa supostamente
independente.
A
atual crise do Mercosul, artificialmente produzida, serve como pretexto para
aprofundar a paralisia da aliança, aplainando o caminho para que o Brasil
“flexibilize” cláusulas fundamentais como a 32/2000, que impede que qualquer
país-membro, isoladamente, concretize ações bilaterais de livre comércio
praticando taxas inferiores às acertadas mediante comum acordo entre os
membros. O fim da cláusula esvaziará o Mercosul de qualquer significado
econômico. Significará o seu fim.
Banida
a cláusula, na prática, qualquer integrante da aliança poderá importar produtos
dos Estados Unidos e europeus, sem passar sequer por uma consulta junto aos
demais membros. Considerando que boa parte da produção brasileira de
manufaturados (produtos que empregam tecnologia de ponta, com alto valor
agregado) é destinada ao próprio Mercosul, a liberalização total vai empurrar a
indústria nacional para um buraco ainda maior do que já está. Basta considerar
que a indústria de transformação nacional contribui com apenas 11% do Produto
Interno Bruto (PIB), taxa baixíssima, sob qualquer ponto de vista. O Brasil
passa, de fato, por um processo perigoso de desindustrialização. O Big Brother
do norte agradece.
Para
acalmar os temores dos poucos empresários nacionais que ainda ocupam um lugar
importante na produção industrial, Serra disse que os acordos bilaterais serão
limitados, por enquanto, a pequenos países europeus, como Suíça e Islândia. Mas
é óbvio que nada poderá impedir a realização de acordos, posteriormente, com a
União Europeia e os Estados Unidos. Não por acaso, os golpistas proclamaram, em
julho, a adesão do Brasil às negociações em torno do Tisa. E tanto Temer quanto
Serra já disseram que querem se aproximar da Aliança do Pacífico (Chile,
Colômbia, Peru, México e Costa Rica), porta de entrada para o TPP, por se
tratar da “região mais promissora do século 21”.
A
viagem de Temer a China, em setembro, teve um caráter bilateral. Não deve
ocultar o crescente distanciamento do Brasil em relação aos Brics, como nota o
próprio governo chinês. “O presidente interino, Michel Temer, se aproveitou
para alterar a estratégia diplomática do País e deixar de priorizar as relações
com os Brics”, diz um artigo publicado, em junho, pela agência oficial Xinhua,
porta-voz dos mandarins de Pequim. Zhou Zhiwei, diretor executivo do Centro de
Estudos Brasileiros do Instituto de América Latina da Academia de Ciências
Sociais da China, vê um sentido político imediato nas ações do governo
golpista: “Temer tentará fortalecer a relação com os Estados Unidos e Europa a
fim de que eles reconheçam a legitimidade do governo interino, e, para tanto,
será forçado a manter distância dos membros do Brics para evitar desagradar
Washington”.
Assim,
a lumpemburguesia brasileira assume descaradamente o seu caráter mais vil,
vagabundo e subordinado ao superimperialismo. Sequer as veleidades minimamente
protecionistas, ensaiadas pelo governo Lula, são toleradas. Mercosul e Brics
são descartados como excrescências pelo juggernaut do capital. A total
subordinação da política externa apenas complementa a reforma das leis
domésticas – como a da Previdência e a da CLT – que desamparam o trabalho
frente ao capital. O lumpesinato burguês prepara as condições para a
destruição.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/10/mercosul-e-brics-alvos-do-golpismo.html
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