Desde
2014, quando teve início, a Operação Lava Jato foi posta no altar da moralidade
e seus condutores passaram a ser tidos como “intocáveis”. E ai de quem ousasse
criticá-la, fosse pelos métodos heterodoxos, pelas violações a garantias em nome da
“excepcionalidade” da investigação, pelo culto à personalidade de seus
comandantes ou por qualquer outra razão. Quem o fizesse seria chamado de conivente com a corrupção ou de defensor da
“canalha petista”. A unanimidade parece
estar sendo agora rompida, com a reação do presidente do Senado, Renan
Calheiros, à prisão de policiais legislativos pela Polícia Federal (porque
estariam sabotando investigações da Lava
Jato) e as duras críticas do ministro do STF Gilmar Mendes
aos excessos da operação comandada pelo juiz Sergio Moro. Pode estar
começando a desinterdição do debate sobre a Lava Jato. E como toda unanimidade
é burra, decretou Nelson Rodrigues, isso deve ser bom para o Brasil.
Hoje
(25) Renan entrará com ação junto ao STF para que sejam fixados limites e
competências para os poderes, medida mais adequada do que a votação do projeto
que regulamenta o abuso de poder, que seria vista como retaliação e busca de
autoproteção, já que é investigado. Remetendo o problema para o STF, o presidente
do Senado abre ao tribunal uma oportunidade para se pronunciar, rompendo a passividade
imposta pela santificação de Moro e da operação, pela unanimidade que
obtiveram, com a ajuda da mídia, na opinião publica. Renan qualificou como “invasão” a operação Métis, que fez busca,
apreensão e prisões no Senado, por ordem de um “juizeco” de primeira instância,
e qualificou de “fascistas” os métodos da Polícia Federal, que a executou.
Embora a operação não tenha sido autorizada por Moro, mas pelo juiz Vallisney
Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília,
ela foi realizada em defesa da Lava Jato, e visou senadores investigados
pela Lava Jato.
Já
as declarações do ministro Gilmar Mendes feitas ontem sobre as investigações de
Curitiba sugerem que há clima no STF
para enfrentar o tema. Embora exista a lenda de que no Supremo cada ministro é
uma ilha, eles não vivem isolados numa redoma individual. Estão sempre tomando
o pulso externo e o de seus pares. Gilmar, um dos ministros mais antigos e mais
ousados, goste-se ou não de suas posições,
costuma ser um bom intérprete do humor do colegiado. Suas
declarações soaram como badalo de um sino depois de longo mutismo. "Acho
que deveríamos ter colocado limite a essas prisões preventivas que não
terminam". “É preciso mostrar que há limite para determinados modelos que
estão se desenhando”. Disse ele ainda que “como tínhamos essa tradição de
impunidade no país, quando se tenta quebrar essa tradição, se diz que esses
atos não podem ser suscetíveis de questionamento. Não é assim no Estado de
Direito".
Alguém
dirá que Renan reage porque o PMDB agora está entrando na mira da Lava Jato.
Que Gilmar defende limites porque agora o PT já foi triturado pela Lava
Jato. Isso é secundário. O Estado de Direito deve ser defendido sempre
e para todos, ainda que alguns já tenham sido vitimados por sua
“flexibilização”, para usar um eufemismo.
Justiça
se faça a Gilmar: não é a primeira vez que ele critica os excessos de Moro. Em 2010, a 2ª Turma do STF deu início a um
julgamento só encerrado em 2013, sobre atos do juiz de Curitiba no curso da Operação Banestado - escândalo
milionário de evasão de recursos depositados no Banco do Estado do Paraná nos
anos 1990. A turma concluiu que Moro não foi parcial e remeteu o caso ao
Conselho Nacional de Justiça, que o arquivou. Gilmar, na época, foi um dos mais
críticos, apontando um "conjunto de atos abusivos" e "excessos
censuráveis" adotados pelo juiz.
Criticou especialmente a insistência em prisões desautorizadas pela
corte. Juiz que assim procede presta um "desserviço e desrespeito ao
sistema jurisdicional e ao Estado de Direito", assumindo postura "absolutista” e “bradando sua
independência funcional". Tudo isso está lá, no acórdão sobre o caso. Dos
atuais ministros, participaram do julgamento, além dele, Teori Zavascki, Celso de Mello e Ricardo
Lewandowski. O decano Mello votou solitariamente pelo afastamento de moro do
caso Banestado.
Se
algum dia houver uma investigação destemida sobre as origens da Lava Jato, ela
poderá partir da suspeita de que tudo começou com um grampo ilegal que captou
conversas entre o advogado Adolfo Góis e Roberto Brasilano, então assessor do
falecido deputado José Janene, um dos pais do petrolão, que era investigado no
âmbito do caso Banestado. A conversou
levou à identificação do “operador”
Paulo Roberto Costa, o primeiro
delator da Lava Jato. O grampo seria ilegal porque conversas entre advogado e
cliente são invioláveis. Os advogados cultuam a “teoria da árvore envenenada”
segundo a qual uma primeira prova ilícita compromete a validade de todas as
outras.
O
presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, é autor de ação sustentando que
Moro não é “juiz natural” das investigações sobre a Petrobras, que fica no Rio
de Janeiro. Sobre isso o STF vai se pronunciar em algum momento. Moro, a partir
das investigações que tinham os paranaenses Janene e Alberto Youssef como alvo,
conseguiu atrair todos os processos relacionados com a Petrobrás para Curitiba,
invocando o critério do julgamento de “crimes
conexos” pela mesma vara. E
assim, até o caso do tríplex do Guarujá, que a Lava Jato quer provar que
pertence a Lula, bem como as reforma no sítio de Atibaia, agora estão com ele,
apesar dos reclamos dos procuradores de São Paulo, que reivindicam a condução
das investigações. Em 2008 o Ministério Público recomendou o encerramento do
inquérito sobre o Banestado mas Moro prosseguiu. Já nesta época ele buscava o que viria a ser
a Lava Jato, uma cruzada contra a corrupção que não deixasse pedra sobre pedra,
custasse o que custasse. E embora a causa seja boa, os métodos tem produzido
custos elevados para o país.
http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/262008/Lava-Jato-acabou-a-unanimidade.htm
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