O
interesse imediato pode ser, nas “sábias” palavras de Romero Jucá, estancar a
Lava Jato, agora que ela já cumpriu seu papel de derrubar o governo e
desarticular a esquerda.
Mas
entrevista – talvez seja melhor chama-la de “destampatório” – de Gilmar Mendes
à Folha de hoje tem o mérito de colocar a nu o movimento corporativo e o
arreganho de poder – não que Gilmar seja contra eles, desde que sejam
privilégios das altas esferas – que marca a Justiça brasileira.
Alguns
trechos, para que o leitor avalie a gravidade do que ele diz, a começar sobre o
projeto de lei que caracteriza o abuso de autoridade, que é o “grande demônio”
aos olhos de Sérgio Moro, das associações de magistrados e do MP:
Parece que eles (os juízes e promotores)
imaginam que devam ter licença para cometer abusos! O projeto é de 2009 e não
trata exclusivamente de juízes e de procuradores, mas sim de todas as
autoridades: delegados, membros de CPIs, deputados. (…)temos que partir de uma
premissa clara: a definição de Estado de Direito é a de que não há soberanos.
Juízes e promotores não são diferentes de todas as outras autoridades e devem
responder pelos seus atos.E a verdade é que nós temos um histórico de abusos
que vai de A a Z, do guarda de trânsito ao promotor, de prisões abusivas, de
vazamento de informações sigilosas, para falar apenas das coisas correntes.
Diz
Gilmar que os juízes se serviram da Lava jato para agir como uma corporação, na
esteira do estrelato atingido pelo juiz de Curitiba:
Isso se tornou estratégia de grupos
corporativos fortes para ter apoio da população.É uma esperteza midiática. Não
tem nada a ver com a realidade. Os juízes todos estão agora engajados no
combate à corrupção? São 18 mil Sergios Moros? Sabe? No fundo estão
aproveitando-se oportunisticamente da Lava Jato.
Mendes
diz que a qualidade dos servições jurisdicionais não entra em pauta, mas apenas
a remuneração dos juízes. E que os demais poderes, os executivos (governadores)
e os legislativos têm medo do Judiciário:
O Judiciário brasileiro é um macrocéfalo
com pernas de pau. É o mais caro do mundo. E muito mal estruturado. Há uma
distorção completa.E nenhuma disposição para participar do sacrifício pedido a
todos. É uma loucura que tem método. Chegou-se ao caos porque se escolheu esse
caminho. E isto em razão do quê? De governos débeis, às vezes com base ética
frágil, que se curvam às imposições.
Com medo do Judiciário?
Com medo do Judiciário. Diante da
sugestão de que levasse para a Assembleia Legislativa os cortes necessários e a
divisão por todos os partícipes, Dornelles ( Francisco, governador interino do
RJ) me disse: “Dificilmente a Assembleia aprovaria porque está submetida a
constrangimentos impostos pelo MP e pelo Judiciário, decorrentes da Lei da
Ficha Limpa”. No final da entrevista, arremata: ” Os parlamentares temem
criticar juízes porque amanhã estarão submetidos a um deles.
Os
órgão de controle externo do Judiciário, diz Gilmar, viraram referendadores
destes abusos e ele chega a usar a frase atribuída ao ex-ministro do Supremo
Sepúlveda Pertence, que teria dito em relação à autonomia do MP que se criara
um monstro:
Órgãos que poderiam cumprir função
racionalizadora, como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho
Nacional do Ministério Público), acabaram cooptados. O último ato da gestão
passada do CNJ foi estender o recesso de 20/12 a 6/1, da Justiça Federal, que
deveria ter sido extinto, para a Justiça Estadual. O CNJ se transformou, em
certas gestões, num instrumento de corporação. Quando há alteração de
vencimentos na esfera federal, cada legislador estadual teria que deliberar
sobre os vencimentos na esfera estadual. O CNJ decidiu que isso seria
automático, violando a autonomia dos Estados. Em suma, criamos um monstro.
O
destampatório reserva o último pontapé para a “menina dos olhos” do MP e de
Moro, o “pacotão” de medidas soi disant contra a corrupção, insinuando que as
assinaturas poderiam ser recolhidas até pelo “sindicato dos camelôs”:
Deixa eu dizer logo: a Lava Jato tem
sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do
sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma
série de reformas.Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as
práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa
distância.(…)Medidas propostas como iniciativa popular não têm que ser
necessariamente aprovadas pelo Congresso.
O senhor acha que as 2,2 milhões de
pessoas que assinaram a proposta das dez medidas leram e entenderam cada uma
delas?
Claro que não. E vocês em São Paulo já
nos ensinaram que não é tão difícil obter uma massa de assinaturas, desde que
se conte com um sindicato competente como o dos camelôs.
Quando pessoas de certa credibilidade
[como os procuradores] colocam a pergunta “Você é a favor ou contra o combate à
corrupção?”, é claro que muitos firmarão o documento.
Não
é preciso ser adivinho para saber que virão as mais violentas reações das
associações de juízes e do Ministério Público, provavelmente até de seus
dirigentes institucionais.
A
hipertrofia do Judiciário brasileiro encontro nos transbordamentos de Gilmar
Mendes a única reação possível, diante do comportamento covarde de quem a ela
deveria ter posto os freios institucionais.
A
Justiça brasileira é tudo, menos que se a chamava antigamente: o poder
sereníssimo.
http://www.tijolaco.com.br/blog/gilmar-chuta-o-balde-do-judiciario/
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