Na
trama de "Alice no País das Maravilhas", a Rainha de Copas, num de
seus surtos de cólera, condena Alice à decapitação. É então constituído um
improvável tribunal do júri, durante o qual testemunhos são descartados e
nenhuma evidência é citada. Ainda assim, seu presidente conclama os jurados a
proferir sua decisão. "Não!", ordena a rainha. "Primeiro a
sentença, depois o veredito."
Embora
sem o brilhantismo do livro de Lewis Carroll, a Operação Lava Jato repete o
modus operandi do tribunal de Alice ao condenar o ex-presidente Lula e só então
oferecer as acusações. E, atualizando os cânones do surrealismo literário,
reproduz o caráter autoritário da Rainha de Copas ao desprezar a necessidade de
provas. Nas acusações dirigidas a Lula, a falta de evidências é proporcional à
abundância de convicções, como aferido em famosa apresentação promovida pela
força-tarefa do Ministério Público. E essas convicções têm a densidade jurídica
de um coelho que fala.
A
primeira acusação contra Lula foi totalmente fundamentada na palavra de uma
pessoa ressentida, o ex-senador Delcídio Amaral, que, para se livrar da prisão,
acusou o ex-presidente de tentar obstruir a Justiça.
A
segunda acusação atribui a Lula e Marisa a propriedade de um apartamento no
Guarujá, imóvel que lhes foi oferecido na planta e reformado pela construtora,
mas que jamais pertenceu a Lula ou sua família porque não foi feita a opção de
compra. Ou seja: os potenciais compradores optaram por recusar o apartamento,
que continuou em nome da OAS, como demonstra uma dívida de R$ 9 mil tornada
pública no início de outubro.
A
terceira acusação, mais recente, diz que o ex-presidente teria praticado
tráfico de influência para beneficiar a Odebrecht na obtenção de empréstimo
junto ao BNDES para a realização de obras em Angola. Em contrapartida, a
empresa teria contratado um sobrinho de Lula como prestador de serviços. Essa
versão não leva em conta dois detalhes essenciais: a Odebrecht obtém
empréstimos similares desde o governo FHC, e o jovem em questão efetivamente prestou
serviços à empresa, sem que nenhuma ilegalidade tenha sido cometida.
Desvendar
os processos de corrupção na Petrobras e punir os responsáveis são tarefas que
beneficiarão a sociedade brasileira. Porém, nenhum dos delatores afirmou que
Lula participou de qualquer processo de corrupção.
"Lawfare"
é um termo cunhado nos EUA para definir situações de uso abusivo do direito com
o objetivo de destruir um inimigo ou retirar sua legitimidade. O abuso se dá no
uso do direito e dos meios de comunicação para obter o clamor da opinião
pública. John Gledhill, professor da Universidade de Manchester, chama de
"lawfare" a aplicação seletiva da Lava Jato. Tal abuso, segundo ele,
teve como objetivos destituir uma presidenta legítima e tirar de combate a maior
liderança de seu aspectro político: Lula.
O
que temos visto no país ofende a Constituição Federal. Os abusos
multiplicam-se. O Ministro Teori Zavaski, por exemplo, considerou ilegal a
quebra de sigilo telefônico de Dilma Rousseff, então presidenta da República, por
um juiz de primeira instância, e considerou igualmente abusiva a divulgação da
denúncia contra Lula. Em ambos os casos, não houve qualquer punição.
A
esperança que, neste momento, nos coloca ao lado de Lula e de todos aqueles que
defendem a democracia é a de que o Tribunal Regional da 4º Região, o Superior
Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal assumam para si a tarefa de
impedir que prosperem tais situações de ofensa à Constituição. Para que toda
Alice tenha direito a um julgamento que anteceda a sentença.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/pauloteixeira/261265/Cortem-lhe-a-cabe%C3%A7a!.htm
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