Ao
defender o direito de o ex-presidente Lula se candidatar a presidente da
República, a ONU provocou um debate sobre a influência de pronunciamentos de
órgãos internacionais no território brasileiro.
Para
a Organização das Nações Unidas, mesmo preso, Lula deve ter seus direitos
políticos de concorrer às eleições de outubro garantidos.
Para
o advogado Michel Saliba, um dos autores do livro Vontade Popular e Democracia
— Candidatura Lula?, o Estado deve se submeter à determinação, uma vez que é
signatário de diplomas normativos. "O Judiciário brasileiro pode até se
negar a aplicar a referida decisão, por entender se tratar de recomendação,
despida de caráter cogente, isso, todavia, poderá ter proporções muito
negativas no âmbito das relações internacionais", afirma.
Já
de acordo com o constitucionalista Lenio Streck, embora a situação do
Judiciário brasileiro seja uma "saia justa", a Procuradoria-Geral da
República já tomou decisão no sentido da obrigatoriedade de seguir e cumprir
uma determinação internacional, ainda que em caráter provisório. "Claro
que os advogados do ex-presidente podem usar a decisão da ONU como preliminar
na defesa das impugnações ao registro, mas o competente para dizer a palavra
final acerca do cumprimento ou não da decisão é o STF", comenta o
advogado.
Michel Saliba, advogado e
professor:
A
partir do momento em que o Estado Brasileiro é signatário de diplomas
normativos internacionais, ele (Estado) deve se submeter às decisões embasadas
nestes diplomas, notadamente quando emanadas pelo mais importante organismo
mundial: a Organização das Nações Unidas.
Prestar
jurisdição é uma das funções do Estado, logo, suas deliberações estão sujeitas
à observância das orientações e decisões da ONU, sem que com isso haja qualquer
violação à soberania nacional.
O
Judiciário brasileiro pode até se negar a aplicar a referida decisão, por
entender se tratar de recomendação, despida de caráter cogente, isso, todavia,
poderá ter proporções muito negativas no âmbito das relações internacionais.
Se
o próprio STF, nos debates que concluíram pela interpretação da execução
antecipada da pena, e que hoje inclusive atinge o ex-presidente Lula, teve como
indicativos de alguns debates as conclusões de organismos internacionais sobre
uma suposta impunidade no Brasil, seria, no mínimo, não retilíneo que o
Judiciário deixasse de se orientar por uma decisão específica da ONU,
principalmente porque trata de proteção às garantias fundamentais e aos
direitos humanos.
Confio
— e sempre confiei — muito na isenção e imparcialidade do Tribunal Superior
Eleitoral, e não poderia ser diferente."
Lenio Streck, jurista e
professor de Direito Constitucional:
Eis
uma saia justa para o judiciário brasileiro e para a Procuradoria-Geral da
República. Explico. Há duas teses: a dualista e a monista. Pela primeira, o
Brasil não tem obrigação. Pela monista, sim. O STF não sufraga a tese monista.
Sua posição é “dualista-moderada”. A Constituição Federal não diz se o Brasil
deveria ser dualista ou monista.
No
entanto, o artigo 5º, parágrafo 2º, da CF dá azo a que se dê obrigatoriedade a
tratados que tratem de direitos humanos. É o que se chama de bloco de
constitucionalidade. Por essa tese monista, é possível sustentar a
obrigatoriedade quando se trata de direitos humanos. Seria o caso da decisão do
Comitê de Direitos Humanos da ONU.
O
Brasil firmou esse pacto, que trata da competência do Comitê de direitos
Humanos da ONU sobre assuntos desse tipo. É uma obrigação politica e moral. O
artigo primeiro é claro. Não esqueçamos que há um decreto legislativo (311 de
2009) incorporando o Pacto ao ordenamento brasileiro.
Como
sempre, essa discussão acabará no STF. Claro que os advogados do ex-presidente
podem usar a decisão da ONU como preliminar na defesa das impugnações ao
registro. De todo modo, o competente para dizer a palavra final acerca do
cumprimento ou não da decisão é o Supremo.
O
fato é que existe decisão internacional que, no caso, em caráter provisório, dá
um comando à justiça brasileira, por mais contestações que isso venha a gerar
no meio político e jurídico.
Tem
um detalhe interessante: na ADPF 320, que o PSOL impetrou sobre uma decisão da
Corte Interamericana que condenou o Brasil à época, a posição da Procuradoria-Geral da República
vai nessa linha da obrigação de cumprimento de decisão internacional.
Há
uma parte no parecer de Rodrigo Janot em que ele diz: "não é admissível
que, tendo o Brasil se submetido à jurisdição da CIDH, por ato de vontade
soberana, despreze a validade e a eficácia da sentença. Isso significa
flagrante descumprimento dos compromissos internacionais do país". A ver,
pois.
Não
é desarrazoado dizer que a decisão do Comitê da ONU, ainda que provisória, é equiparável
à decisão da CIDH. Portanto, vamos ver o que dirá a PGR, agora. Se levarmos em
conta a posição de Janot, então chefe da Procuradoria, cabe ADPF junto ao STF
para fazer cumprir a decisão do comitê da ONU."
Mariana Oliveira é
repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista
Consultor Jurídico
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