A
operação "lava jato" volta a produzir mais uma de suas incontáveis
ilegalidades. A cada dia que passa, fica a impressão de que os excessos já
praticados — tais como levantamento de sigilo de escuta telefônica tendo como
alvo a então presidente da República, Dilma Rousseff, ou a condução coercitiva
de investigados que jamais tenham se recusado a prestar esclarecimentos etc. —
não são absolutamente nada perto do que ainda pode estar por vir, levando-se em
conta a progressividade das violações ao devido processo legal. E nisso o tempo
é realmente implacável.
Prova
disso é que, nesta segunda-feira (17/4), o juiz federal Sergio Fernandes Moro
determinou que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
acompanhe, presencialmente, a inquirição das 87 testemunhas que sua defesa
arrolou em uma das ações em que é acusado da prática dos crimes de corrupção
passiva e de lavagem de dinheiro.
É
indiscutível que, sob a ótica de um Direito Penal conforme à Constituição, o
acusado no processo penal não é "objeto" do processo e
"objeto" de prova, como se ali estivesse apenas para ser mansamente
arrebatado (punido), antes mesmo de ter a sua culpa definitivamente formada em
juízo[1].
O
comparecimento em juízo é uma faculdade, o que atende aos interesses da defesa
(pessoal e técnica), jamais um "dever" processual cujo não exercício
possa acarretar algum tipo de sanção. Segundo o magistério de Aury Lopes Jr.,
“a presença da defesa técnica, ainda que o acusado tenha sido devidamente
intimado mas esteja ausente, é suficiente, pois o advogado constituído (ou
nomeado) é o réu em juízo, é a defesa efetiva no ato”[2].
Não
estando o acusado sujeito ao compromisso de comparecimento a todos os atos do
processo em razão da concessão de liberdade provisória, que é o caso do
ex-presidente, a presença da defesa técnica é o bastante para assegurar a ampla
defesa, o contraditório e a legalidade do ato (audiência).
Pelo
que se extrai da decisão discricionária — e também solipsista — exarada pelo
juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, obrigar o ex-presidente a comparecer às
audiências em que serão ouvidas as testemunhas por ele arroladas representa
mais uma preocupação em criar um “ônus” ao acusado, já que ele — juiz — terá o
dever de escutar todas as testemunhas indicadas pela defesa, do que
propriamente uma preocupação em salvaguardar os direitos à ampla defesa e ao
contraditório.
Numa
sociedade complexa e plural, é impossível defender a ideia de
discricionariedade do juiz no processo e muito menos a criação de escopos
(combate à corrupção). Isso porque o fruto do processo (provimento
jurisdicional) não decorreria do debate travado e desenvolvido pelas partes e
decidido por um terceiro imparcial (o juiz), mas, sim, “em decorrência da
formação moral e ética do juiz, o guardião dos valores da sociedade”[3], o que
não pode ser aceito.
O
devido processo penal rezinga por atuação de um juiz imparcial, e se ele, o
juiz, “não consegue suspender seus pré-juízos, ele não pode (e não deve) ser
juiz. Ele pode odiar ou amar algo. Mas na hora da decisão isto deve ficar
suspenso (uma epoché). Isso se chama de responsabilidade política. Democracia é
isso”[4].
E
não havendo essa indispensável imparcialidade e observância dos direitos
consagrados na Constituição, o exercício de cada direito do acusado — como
estar ou não presente na audiência de inquirição de suas testemunhas — passa a
depender da decisão e vontade de cada juiz. E, assim, lá se vai a Constituição.
[1] LOPES JR.; Aury. De
qualquer lado que se olhe, revelia é incompatível com o processo penal.
Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-abr-08/limite-penal-revelia-incompativel-processo-penal.
Acesso em: 18 de abril de 2017.
[2] Idem.
[3] OMMATI, José Emílio
Medaur. Uma teoria dos Direitos fundamentais, 3.ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2016, p. 174.
[4] STRECK, Lenio Luiz.
O juiz, a umbanda e o solipsismo: como ficam os discursos de intolerância? Disponível
em:
http://www.conjur.com.br/2014-mai-22/juiz-umbanda-solipsismo-ficam-discursos-intolerancia.
Acesso em: 18 de abril de 2017.
Eduardo
Samoel Fonseca é advogado, graduado pela PUC-SP, mestrando em Direito
Processual Penal pela mesma instituição, especialista em Ciências Criminais
pela PUC Minas e em Direito Penal pela Universidade de Salamanca – Espanha. É
presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP – Subseção
Penha de França.
Ricardo
Mamoru Ueno é advogado, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie,
especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas e diretor auxiliar da OAB-SP
– Subseção Penha de França.
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-abr-18/obrigar-lula-ouvir-testemunhas-apenas-cria-onus-acusado
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