quarta-feira, 19 de abril de 2017

OBRIGAR LULA A OUVIR TESTEMUNHAS É SÓ PREOCUPAÇÃO EM CRIAR "ÔNUS" AO ACUSADO. Por Eduardo Samoel Fonseca e Ricardo Mamoru Ueno

A operação "lava jato" volta a produzir mais uma de suas incontáveis ilegalidades. A cada dia que passa, fica a impressão de que os excessos já praticados — tais como levantamento de sigilo de escuta telefônica tendo como alvo a então presidente da República, Dilma Rousseff, ou a condução coercitiva de investigados que jamais tenham se recusado a prestar esclarecimentos etc. — não são absolutamente nada perto do que ainda pode estar por vir, levando-se em conta a progressividade das violações ao devido processo legal. E nisso o tempo é realmente implacável.

Prova disso é que, nesta segunda-feira (17/4), o juiz federal Sergio Fernandes Moro determinou que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva acompanhe, presencialmente, a inquirição das 87 testemunhas que sua defesa arrolou em uma das ações em que é acusado da prática dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.

É indiscutível que, sob a ótica de um Direito Penal conforme à Constituição, o acusado no processo penal não é "objeto" do processo e "objeto" de prova, como se ali estivesse apenas para ser mansamente arrebatado (punido), antes mesmo de ter a sua culpa definitivamente formada em juízo[1].

O comparecimento em juízo é uma faculdade, o que atende aos interesses da defesa (pessoal e técnica), jamais um "dever" processual cujo não exercício possa acarretar algum tipo de sanção. Segundo o magistério de Aury Lopes Jr., “a presença da defesa técnica, ainda que o acusado tenha sido devidamente intimado mas esteja ausente, é suficiente, pois o advogado constituído (ou nomeado) é o réu em juízo, é a defesa efetiva no ato”[2].

Não estando o acusado sujeito ao compromisso de comparecimento a todos os atos do processo em razão da concessão de liberdade provisória, que é o caso do ex-presidente, a presença da defesa técnica é o bastante para assegurar a ampla defesa, o contraditório e a legalidade do ato (audiência).

Pelo que se extrai da decisão discricionária — e também solipsista — exarada pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, obrigar o ex-presidente a comparecer às audiências em que serão ouvidas as testemunhas por ele arroladas representa mais uma preocupação em criar um “ônus” ao acusado, já que ele — juiz — terá o dever de escutar todas as testemunhas indicadas pela defesa, do que propriamente uma preocupação em salvaguardar os direitos à ampla defesa e ao contraditório.

Numa sociedade complexa e plural, é impossível defender a ideia de discricionariedade do juiz no processo e muito menos a criação de escopos (combate à corrupção). Isso porque o fruto do processo (provimento jurisdicional) não decorreria do debate travado e desenvolvido pelas partes e decidido por um terceiro imparcial (o juiz), mas, sim, “em decorrência da formação moral e ética do juiz, o guardião dos valores da sociedade”[3], o que não pode ser aceito.

O devido processo penal rezinga por atuação de um juiz imparcial, e se ele, o juiz, “não consegue suspender seus pré-juízos, ele não pode (e não deve) ser juiz. Ele pode odiar ou amar algo. Mas na hora da decisão isto deve ficar suspenso (uma epoché). Isso se chama de responsabilidade política. Democracia é isso”[4].

E não havendo essa indispensável imparcialidade e observância dos direitos consagrados na Constituição, o exercício de cada direito do acusado — como estar ou não presente na audiência de inquirição de suas testemunhas — passa a depender da decisão e vontade de cada juiz. E, assim, lá se vai a Constituição.

[1] LOPES JR.; Aury. De qualquer lado que se olhe, revelia é incompatível com o processo penal. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-abr-08/limite-penal-revelia-incompativel-processo-penal. Acesso em: 18 de abril de 2017.
[2] Idem.
[3] OMMATI, José Emílio Medaur. Uma teoria dos Direitos fundamentais, 3.ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 174.
[4] STRECK, Lenio Luiz. O juiz, a umbanda e o solipsismo: como ficam os discursos de intolerância? Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-mai-22/juiz-umbanda-solipsismo-ficam-discursos-intolerancia. Acesso em: 18 de abril de 2017.

Eduardo Samoel Fonseca é advogado, graduado pela PUC-SP, mestrando em Direito Processual Penal pela mesma instituição, especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas e em Direito Penal pela Universidade de Salamanca – Espanha. É presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP – Subseção Penha de França.

Ricardo Mamoru Ueno é advogado, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas e diretor auxiliar da OAB-SP – Subseção Penha de França.

Revista Consultor Jurídico


http://www.conjur.com.br/2017-abr-18/obrigar-lula-ouvir-testemunhas-apenas-cria-onus-acusado

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