Em 2014, a imprensa brasileira deslumbrou-se com uma grande reportagem: um grupo de paladinos da justiça surgiu em Curitiba com a promessa de acabar com a corrupção no Brasil. Sete anos depois, o país descobriu-se vítima de um engodo. O saldo da batalha: o país elegeu uma geração de políticos despreparados e perdeu, pelo menos, R$ 326 bilhões com a farsa. Mas nem todos os brasileiros perderam. Alguns ganharam um bom dinheiro.
O
grande motor da máquina foi a imprensa. Enfeitou a narrativa com apelidos
publicitários, as "operações". Em vez de número, o processo ganhou
nome de novela, com capítulos chamados de "fases". Espertamente, para
esmaecer as suas digitais, o coletivo de procuradores ocultou-se sob o nome fantasia
de "força tarefa". O dicionário penal foi todo reescrito para
inflamar a torcida e instilar ódio contra os acusados. Todo dinheiro era
"propina", todo grupo, "quadrilha", todo mundo,
"bandido".
Canis silenciosos
Montou-se
uma fábrica de notícias falsas. Em troca de "furos", jornais e
jornalistas se dispuseram a fuzilar os ministros que anulavam as decisões
ilegais do lavajatismo. A chantagem consistia em simular escândalos contra os
julgadores e seus familiares. Com essa moeda de troca, os "cachorros"
de Curitiba eram pagos. O termo "cachorro" é da época da ditadura
militar, para apelidar os colaboracionistas da repressão que delatavam seus
próprios amigos em troca de favores.
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À
"técnica do emparedamento", de chantagear ministros para extorquir decisões
favoráveis, os procuradores e seus jornalistas de estimação, seguiu-se a
prática de atirar nas pernas dos advogados. Em um dos momentos mais infames do
espetáculo, a "força tarefa estendida" (que incluía juízes,
delegados, auditores, empresários e até advogados) chegou mesmo a conseguir o
bloqueio de contas dos escritórios que defendiam vítimas da máquina — agora já
com franquias no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Um punguista chamado
Luiz Vassalo, a serviço dos escroques de Curitiba, quis saber de ministros do
STF e do STJ se a revista Consultor Jurídico pagava por entrevistas, com o
claro propósito de emparedar o site. Provavelmente por ser uma prática dos
locais onde ele trabalha ou trabalhou.
Na
ditadura militar, os delatados iam para os calabouços. Na "lava
jato", as notícias fraudadas empalavam os alvos nas garras do tribunal de
Curitiba e suas franquias, onde se prescindia de provas para condenar. Os novos
talibãs, guardiões do moralismo, atiraram-se vorazmente contra suas vítimas,
sem compaixão. Nem provas. Colhem agora os frutos do mal que plantaram.
Em
dezembro de 2014, no auge do lavajatismo, a tiragem somada dos seis principais
jornais impressos do Brasil era de 1,071 milhão de exemplares. Seis anos
depois, quando a fábula se esfarinhou, além de falsos heróis, descobriu-se
haver falsos bandidos. E que o "combate à corrupção" fora
falsificado. Um festival de práticas jurídicas corruptas. Em 2021, a tiragem
dos seis maiores jornais do país desabou. Caiu 68% em relação a 2014. O
crescimento digital foi pífio.
Associar
o descrédito da imprensa unicamente ao embarque no lavajatismo é o tipo de
falsificação que os jornalistas praticaram para enganar seus leitores. Claro
que o fenômeno se deve a outros fatores. Mas nada impede que, no seu ocaso, a
imprensa escreva a "história secreta" da "lava jato" ou,
como era hábito no jornalismo, fazer o balanço de quem ganhou e quem perdeu com
a ascensão e queda desse esquema.
Quem ganhou e quem perdeu
No
campo da comunicação, o projeto deu sobrevida a jornalistas em fim de carreira
e sem perspectiva. Turbinou jovens sem talento, mas com grande senso de
oportunidade. Deu lucros às empresas no curto prazo, mas, como se vê, cobra
agora a fatura com a fuga de leitores. A cada dia, fica mais claro que o idealismo
da turma era remunerado.
Por
duas vezes os procuradores da República tentaram virar donos de empresas (ou
fundos) com mais de R$ 2 bilhões: uma derivada de verba de indenização para
acionistas da Petrobras, outra com dinheiro da J&F derivado de acordo de
colaboração. O advogado lavajatista Modesto Carvalhosa aderiu em busca de
honorários estapafúrdios.
O
advogado Joaquim Falcão, hoje no comitê eleitoral de Sergio Moro, junto com a
Transparência Internacional, também tentou meter a mão no dinheiro da
Petrobras, em nome do idealismo, claro. Falcão celebrizou-se com a afirmação de
que "o excesso do devido processo legal é uma doença". Marcelo
Miller, Rodrigo Janot e Carlos Fernando aposentaram-se para aproveitar o
prestígio que ainda tinham para atender as empresas vitimadas por eles na
chamada "operação".
Para
não ser presos, os empresários e executivos concordaram pagar quantias
astronômicas na forma de multas ou "reparações", o que, na verdade,
mais pareceu extorsão. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos), o Brasil perdeu cerca de R$ 170 bilhões
em investimentos com a quebradeira das grandes empresas, que provocou um efeito
cascata sobre centenas de empresas menores de vários setores, que dependiam dos
negócios das multinacionais brasileiras.
Os frutos da ira
Os
278 acordos de colaboração e de leniência geraram o compromisso, dos acusados,
de devolver R$ 22 bilhões (em parcelas, por até 20 anos). Até agora,
"retornaram" aos cofres públicos algo como R$ 5 bilhões — uma quantia
34 vezes menor que o prejuízo estimado pelo Dieese. Some-se ainda, mais uma
perda de R$ 47 bilhões em impostos, R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre
folha de pagamento e R$ 85,8 bilhões de massa salarial.
A
queda no faturamento comercial fechou jornais e já tirou o emprego de mais da
metade dos profissionais em ação na década passada. As empresas ousam para
buscar receitas. Uma das vestais da "lava jato", o repórter Thiago
Herdy, por exemplo, enxergou uma oportunidade e, aparentemente com o beneplácito
da direção do portal UOL, tentou uma jogada alta.
Ao
apurar informações sobre a compra de máscaras contra a Covid-19, Herdy
conseguiu o contato do fornecedor chinês e tentou engatar uma compra do
equipamento de proteção mais procurado naquele momento. Não deu certo, porque a
empresa já tinha representante no Brasil, mas o atilado repórter investigativo
ainda insistiu no negócio.
Confrontado
com a esquisitice, o diretor de conteúdo do UOL, Murilo Garavello, não quis
responder se a tentativa de transação era em nome do portal, como afirmou Herdy
na correspondência, nem se a aquisição foi concluída. Em sua
"defesa", o repórter imediatamente produziu uma notícia acusatória
contra a empresa das máscaras. O desmentido não foi publicado.
Idealismo remunerado
Outra
iniciativa arrojada em busca de receitas foi incorporar sites pornográficos ao
portal, o UOL Sexo. Com isso, o Grupo Folha passou a oferecer, dentro da área
de conteúdo, performances como a do deputado Alexandre Frota e vídeos dirigidos
por Ed Coyote Hunter com adolescentes colombianas.
Segundo
escreveu Herdy, não se faz jornalismo sem dinheiro. Ainda assim, ele acha que
empresas politicamente expostas, como quem faz acordo de leniência, por
exemplo, não deveriam investir em veículos de comunicação — conselho que, se
seguido pelo UOL, ceifaria da empresa uma receita significativa.
A
tentativa de importar máscaras contra a Covid pode ter sido uma tentativa de
enganar as fontes, o que é pouco para quem engana leitores. Mas, assim como
Deltan, Moro, Falcão, Carvalhosa e outros que ganharam bastante com o
lavajatismo, eles sempre poderão dizer que fizeram tudo por idealismo.
Corruptos, só empresários e políticos. Juiz, procurador e jornalista, não.
Hoje,
os lavajatistas que defendiam o uso de provas ilícitas batem às portas do STF
para pedir proteção contra eles. Tudo o que a defesa tentou em Curitiba — e foi
negado — hoje os seus protagonistas, na condição de acusados, imploram. A piada
já está gasta: mas seria interessante ver o que seria dos lavajatistas de hoje,
julgados pelos lavajatistas de antes.
Márcio Chaer é diretor da
revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.
Revista Consultor Jurídico
https://www.conjur.com.br/2022-jan-26/imprensa-operou-lava-jato-perdeu-68-leitores-anos
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