Há
dez anos, em 2009, falecia Claude Lévi-Strauss, antropólogo, professor e
filósofo francês, nascido na Bélgica, considerado o fundador da antropologia
estruturalista e um dos maiores intelectuais do século XX.
“Tristes
Trópicos” é um dos primeiros clássicos a tratar da angústia social e ecológica
contemporâneas, sendo ao mesmo tempo uma alegoria moral e uma metafísica do
fracasso humano. Significa mesmo uma
espécie de “entropologia”, ou seja, um estudo da desintegração e da extinção
certa da espécie humana na Terra.
Lévi-
Strauss concentra sua análise tanto na catástrofe ecológica, quanto no
tratamento assassino, o qual também é suicida, que damos ao meio ambiente,
ambos fruto da ganância e da estupidez. No entanto, em seu raciocínio dialético
isto apesar de fundamental não basta, pois “o homem é possuído de alguma fúria
obscura contra sua própria lembrança do Éden. Onde quer que vá e encontre
paisagens ou comunidades, que parecem se assemelhar à sua imagem de inocência
perdida, ele arremete e espalha destruição”.
Ele
definia seu conhecimento como uma espécie de “geologia” em que cada camada se
sobrepunha à anterior. A partir de uma análise marxista consistente com a
realidade, sobrepunha-se a freudiana. Ser um antropólogo significava para
Strauss preencher e completar as análises socioeconômicas do marxismo com a
leitura da consciência.
A
linguística dita antropológica, a semiótica como a investigação sistemática dos
signos e dos símbolos, surgiu da crise entre a antropologia clássica e do salto
propiciado por Strauss rumo a uma concepção conjunta da linguagem e da
estrutura biológico- social. Nesse sentido, Strauss foi um subversivo do pensar
e quase tudo principiou com sua experiência no Brasil (compartilhada com a da
Índia) em nossos tristes trópicos.
“Tristes
Trópicos”, publicado em 1950, foi baseado na experiência urbana e nas viagens
de Strauss pelo interior Brasil.
Onde
quer que o viajante branco vá lá ele encontra a desolação, os vestígios cruéis
da pilhagem e das doenças trazidas por suas conquistas anteriores. “Odeio as
viagens e os exploradores”, geradoras do colonialismo de exploração.
Uma
das estruturas que empresta vida à abrangência de Strauss foi a vivência de
Strauss com diversos agrupamentos indígenas e nossas florestas tropicais. Tanto
as tribos indígenas quanto a floresta amazônica nada tinham de primitivas.
Encarnavam uma longa crônica de infecção, destruição ecológica e deslocamento
forçado. A dizimação da natureza e das tribos é responsabilidade da ação do
homem branco, que atua como um colonizador, mas esta responsabilidade,
entretanto, não é exclusiva. Os próprios povos primitivos, por uma inevitável
inadequação, incorporam um processo de limitação. “Os primeiros exploradores a
aqui chegarem encontraram civilizações que tinham alcançado o pleno
desenvolvimento e perfeição de que suas naturezas eram capazes.”
Pela
contemporaneidade de suas ideias, facilmente deduziremos que elas eram muito
diferentes do pensamento de meados do século XX: rompiam com a ideia de que
índios são somente índios, dado que Strauss jamais concordou com a divisão
entre civilizados e selvagens, ou em seres humanos superiores e inferiores.
Ademais, Strauss era possuidor de uma visão de preservação e respeito ambientalista
radical inclusive para os dias de hoje!
Embora
as obras de Lévi-Strauss em certo ponto descrevam os índios do cerrado
brasileiro de forma "eurocêntrica" ou como ele mesmo dizia
"colonialista", e por mais que suas teorias sejam muitas vezes interpretadas
sob a ótica do pensamento marxista do pós-guerra fria, seus posicionamentos dos
anos 1950 somente se disseminaram a partir do final da década de 1960, com o
surgimento da contracultura marxista e ambientalista radical.
“Uma
sociedade não pode proibir aquilo que não sabe nomear e classificar”, é de
enorme acuidade e contemporaneidade.
“Tristes
Trópicos” também trata de nossos aglomerados urbanos. É o espetáculo do
surgimento de novas cidades a partir do nada, desde o coração mesmo da
floresta, o que mais o impressiona. "A vida urbana apresenta um estranho
contraste. Embora represente a forma mais completa e requintada da civilização,
em virtude da concentração humana excepcional que realiza em espaço reduzido e
da duração de seu ciclo, precipita no seu cadinho atitudes inconscientes...
Como exemplos, o crescimento das cidades de leste para oeste e a polarização do
luxo e da miséria segundo este eixo”.
Outro
aspecto que o impacta é o das multidões de ruas apinhadas como as de Calcutá, o
séquito de serviçais e suas ofertas, a procissão de pedintes e suas súplicas
sustentam o ininterrupto e deprimente espetáculo de uma sub–humanidade. A
cidade, acima qualificada como "forma mais completa e requintada da
civilização", surge agora manchada pela imundície e degradação, produzindo
no antropólogo não mais o estranhamento esperado e metodologicamente
controlado, mas o espanto e até o constrangimento.
"Aquilo
que me assusta na Ásia é a imagem do nosso futuro, do qual ela constitui uma
antecipação", conclui numa sombria antevisão de nossas metrópoles do
século XIX.
Razão
tinha o antropólogo, pois a vida cotidiana parece ser um permanente repúdio da
noção das próprias relações humanas.
Estudou
direito na Faculdade de Direito de Paris, obtendo sua licença antes de ser
admitido na Sorbonne, onde se graduou em filosofia em 1931. Em 1934, após o
mestrado, foi convidado pela Universidade de São Paulo como professor da
recém-criada Faculdade de Filosofia.
"Minha
carreira foi decidida num domingo de outono de 1934, às 9 horas da manhã, a
partir de um telefonema", pois nossos tristes trópicos despertariam em
Strauss a vocação etnográfica. Permaneceria no Brasil até 1938 quando a
ditadura getulista protofascista praticamente expulsou toda a missão francesa
de pesquisa e ensino na qual se inseria Strauss e esposa, subsidiada que era
com verbas do Partido Socialista Francês.
Com
o advento da Segunda Guerra e a invasão da França, Lévi- Strauss e esposa
tentam o retorno à nossa Pátria, o que lhes é negado, dado a origem judaica e
posicionamento claramente de esquerda. Serão os U.S.A. que irão receber os
cientistas franceses de braços abertos.
Retorna
à França em 1948 e doutora-se pela Sorbonne com a tese “As estruturas
elementares do parentesco”, um dos mais importantes estudos sobre a família já
publicada, também em parte decorrente da vivência que os tristes trópicos lhe
haviam propiciado.
Professor
honorário do “Collège de France”, ali ocupou a cátedra de antropologia social
de 1959 a 1982. Foi também membro da Academia Francesa e seu primeiro a atingir
os 100 anos de idade.
Nas
palavras do próprio Strauss "o antropólogo é o astrônomo das ciências
sociais: ele está encarregado de descobrir um sentido para as configurações
muito diferentes, por sua ordem de grandeza e seu afastamento, das que estão
imediatamente próximas do observador."
Bernard
Kouchner afirmou em homenagem póstuma que Lévi-Strauss "quebrou com uma
visão etnocêntrica da história da humanidade... Em um tempo em que tentamos
construir um mundo mais justo e humano, eu gostaria que o eco universal de
Claude Lévi-Strauss ressonasse mais forte”.
"Meu
único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser
humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter
presente", disse Strauss no discurso da celebração de seus 97 anos, em
2005, quando recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha.
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