quinta-feira, 19 de setembro de 2019

LÉVI-STRAUSS E NOSSOS 'TRISTES TRÓPICOS'. Carlos Russo Jr.


Há dez anos, em 2009, falecia Claude Lévi-Strauss, antropólogo, professor e filósofo francês, nascido na Bélgica, considerado o fundador da antropologia estruturalista e um dos maiores intelectuais do século XX.

“Tristes Trópicos” é um dos primeiros clássicos a tratar da angústia social e ecológica contemporâneas, sendo ao mesmo tempo uma alegoria moral e uma metafísica do fracasso humano.  Significa mesmo uma espécie de “entropologia”, ou seja, um estudo da desintegração e da extinção certa da espécie humana na Terra.

Lévi- Strauss concentra sua análise tanto na catástrofe ecológica, quanto no tratamento assassino, o qual também é suicida, que damos ao meio ambiente, ambos fruto da ganância e da estupidez. No entanto, em seu raciocínio dialético isto apesar de fundamental não basta, pois “o homem é possuído de alguma fúria obscura contra sua própria lembrança do Éden. Onde quer que vá e encontre paisagens ou comunidades, que parecem se assemelhar à sua imagem de inocência perdida, ele arremete e espalha destruição”.

Ele definia seu conhecimento como uma espécie de “geologia” em que cada camada se sobrepunha à anterior. A partir de uma análise marxista consistente com a realidade, sobrepunha-se a freudiana. Ser um antropólogo significava para Strauss preencher e completar as análises socioeconômicas do marxismo com a leitura da consciência.

A linguística dita antropológica, a semiótica como a investigação sistemática dos signos e dos símbolos, surgiu da crise entre a antropologia clássica e do salto propiciado por Strauss rumo a uma concepção conjunta da linguagem e da estrutura biológico- social. Nesse sentido, Strauss foi um subversivo do pensar e quase tudo principiou com sua experiência no Brasil (compartilhada com a da Índia) em nossos tristes trópicos.

“Tristes Trópicos”, publicado em 1950, foi baseado na experiência urbana e nas viagens de Strauss pelo interior Brasil.

Onde quer que o viajante branco vá lá ele encontra a desolação, os vestígios cruéis da pilhagem e das doenças trazidas por suas conquistas anteriores. “Odeio as viagens e os exploradores”, geradoras do colonialismo de exploração.

Uma das estruturas que empresta vida à abrangência de Strauss foi a vivência de Strauss com diversos agrupamentos indígenas e nossas florestas tropicais. Tanto as tribos indígenas quanto a floresta amazônica nada tinham de primitivas. Encarnavam uma longa crônica de infecção, destruição ecológica e deslocamento forçado. A dizimação da natureza e das tribos é responsabilidade da ação do homem branco, que atua como um colonizador, mas esta responsabilidade, entretanto, não é exclusiva. Os próprios povos primitivos, por uma inevitável inadequação, incorporam um processo de limitação. “Os primeiros exploradores a aqui chegarem encontraram civilizações que tinham alcançado o pleno desenvolvimento e perfeição de que suas naturezas eram capazes.”

Pela contemporaneidade de suas ideias, facilmente deduziremos que elas eram muito diferentes do pensamento de meados do século XX: rompiam com a ideia de que índios são somente índios, dado que Strauss jamais concordou com a divisão entre civilizados e selvagens, ou em seres humanos superiores e inferiores. Ademais, Strauss era possuidor de uma visão de preservação e respeito ambientalista radical inclusive para os dias de hoje!

Embora as obras de Lévi-Strauss em certo ponto descrevam os índios do cerrado brasileiro de forma "eurocêntrica" ou como ele mesmo dizia "colonialista", e por mais que suas teorias sejam muitas vezes interpretadas sob a ótica do pensamento marxista do pós-guerra fria, seus posicionamentos dos anos 1950 somente se disseminaram a partir do final da década de 1960, com o surgimento da contracultura marxista e ambientalista radical.

“Uma sociedade não pode proibir aquilo que não sabe nomear e classificar”, é de enorme acuidade e contemporaneidade.

“Tristes Trópicos” também trata de nossos aglomerados urbanos. É o espetáculo do surgimento de novas cidades a partir do nada, desde o coração mesmo da floresta, o que mais o impressiona. "A vida urbana apresenta um estranho contraste. Embora represente a forma mais completa e requintada da civilização, em virtude da concentração humana excepcional que realiza em espaço reduzido e da duração de seu ciclo, precipita no seu cadinho atitudes inconscientes... Como exemplos, o crescimento das cidades de leste para oeste e a polarização do luxo e da miséria segundo este eixo”.

Outro aspecto que o impacta é o das multidões de ruas apinhadas como as de Calcutá, o séquito de serviçais e suas ofertas, a procissão de pedintes e suas súplicas sustentam o ininterrupto e deprimente espetáculo de uma sub–humanidade. A cidade, acima qualificada como "forma mais completa e requintada da civilização", surge agora manchada pela imundície e degradação, produzindo no antropólogo não mais o estranhamento esperado e metodologicamente controlado, mas o espanto e até o constrangimento.

"Aquilo que me assusta na Ásia é a imagem do nosso futuro, do qual ela constitui uma antecipação", conclui numa sombria antevisão de nossas metrópoles do século XIX.

Razão tinha o antropólogo, pois a vida cotidiana parece ser um permanente repúdio da noção das próprias relações humanas.

Estudou direito na Faculdade de Direito de Paris, obtendo sua licença antes de ser admitido na Sorbonne, onde se graduou em filosofia em 1931. Em 1934, após o mestrado, foi convidado pela Universidade de São Paulo como professor da recém-criada Faculdade de Filosofia.

"Minha carreira foi decidida num domingo de outono de 1934, às 9 horas da manhã, a partir de um telefonema", pois nossos tristes trópicos despertariam em Strauss a vocação etnográfica. Permaneceria no Brasil até 1938 quando a ditadura getulista protofascista praticamente expulsou toda a missão francesa de pesquisa e ensino na qual se inseria Strauss e esposa, subsidiada que era com verbas do Partido Socialista Francês.

Com o advento da Segunda Guerra e a invasão da França, Lévi- Strauss e esposa tentam o retorno à nossa Pátria, o que lhes é negado, dado a origem judaica e posicionamento claramente de esquerda. Serão os U.S.A. que irão receber os cientistas franceses de braços abertos.

Retorna à França em 1948 e doutora-se pela Sorbonne com a tese “As estruturas elementares do parentesco”, um dos mais importantes estudos sobre a família já publicada, também em parte decorrente da vivência que os tristes trópicos lhe haviam propiciado.

Professor honorário do “Collège de France”, ali ocupou a cátedra de antropologia social de 1959 a 1982. Foi também membro da Academia Francesa e seu primeiro a atingir os 100 anos de idade.

Nas palavras do próprio Strauss "o antropólogo é o astrônomo das ciências sociais: ele está encarregado de descobrir um sentido para as configurações muito diferentes, por sua ordem de grandeza e seu afastamento, das que estão imediatamente próximas do observador."

Bernard Kouchner afirmou em homenagem póstuma que Lévi-Strauss "quebrou com uma visão etnocêntrica da história da humanidade... Em um tempo em que tentamos construir um mundo mais justo e humano, eu gostaria que o eco universal de Claude Lévi-Strauss ressonasse mais forte”.

"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente", disse Strauss no discurso da celebração de seus 97 anos, em 2005, quando recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha.

https://www.proust.com.br/post/l%C3%A9vi-strauss-e-nossos-tristes-tr%C3%B3picos

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