terça-feira, 1 de março de 2011

O FUTURO COMPROMETIDO


A função precípua do direito é dirimir conflitos justamente naquele espaço dentro do qual as pessoas fracassam. Geralmente quando um provável cliente nos procura, ele já traz problemas bastante enraizados, de difícil solução e carrega nos ombros o peso de uma vida despedaçada. O advogado consciente deve ser o primeiro juiz da causa e, para tanto, deverá fazer uma avaliação honesta dos fatos que lhe são trazidos e alertar a pessoa a respeito das maiores ou menores possibilidades dela conseguir resolver a questão que lhe atormenta, evitando que ela entre em uma aventura jurídica que possa vir a configurar uma ação temerária. Nesse momento, é que o profissional do direito, além do conhecimento jurídico, há de ter também em alguns casos, muito tato para abrandar a notícia que poderá não ser tão boa ao cliente, fazendo com que ela venha acompanhada de um sopro de alento qualquer para que ele não entre em desespero total.

Geralmente temos essa palavra, afinal, a vida muito nos ensina. Mas confesso existe um tipo de consulta em especial, para a qual nunca se tem uma resposta satisfatória. São justamente aqueles casos que exigem uma resposta imediata do poder judiciário sob pena de lesão grave e de difícil reparação. Exemplificando, foi o caso de uma moça de menos de trinta anos que afirmava morar junto com um namorado que tem uma filha de quase três anos. Alegava formarem uma família feliz que trata a menina com carinho, conforto e boa educação sempre que ela se encontra com eles. Acontece que a mãe da garota que detém a sua guarda, é viciada em drogas, não tem emprego fixo, sai para beber deixando a menina sem comer, dormindo no chão e sem tomar banho. Afirma ainda que ela decidiu descumprir o acordo de visitação, aparentemente sem motivo algum, não permitindo que o pai veja a menina conforme o ajustado. Enfim, ela queria saber se existe algo a ser feito para reverter essa situação.

Para a questão da visitação, já existe a lei de alienação parental que impõe sanções ao alienador que vão desde a advertência, multa e a ampliação da convivência familiar com o genitor alienado. Já, na questão da guarda é que está o grande problema. Como explicar para essa consulente que o Estatuto da Criança e do Adolescente, corretamente determina em seu artigo 19 que é de ser mantida a criança sob os cuidados dos pais biológicos, devendo ser buscada sempre a manutenção de seus laços familiares, significando que “a criança não deve ser submetida a constantes mudanças de ambiente familiar, ainda em tenra idade, pois isso poderá lhe causar imprevisíveis danos”? Que a simples precariedade financeira não pode dar ensejo à destituição do poder familiar e que tendo em vista a doutrina da proteção integral à criança que permeia nosso ordenamento jurídico, as trocas de guarda somente podem ser realizadas quando comprovado de forma cabal nos autos sua conveniência aos interesses da menor? Que o poder judiciário pode antecipar os efeitos da tutela pretendida já no início do processo mas que para tanto, e o faz corretamente, exige haver a prova inequívoca da verossimilhança daquilo que se está alegando? E que tal prova é de difícil obtenção, eis que as mazelas de família ocorrem entre quatro paredes e dificilmente são testemunhadas por terceiros e que quando isso ocorre eles não querem prestar depoimento?

Em regra, esta explicação não convence e nem satisfaz as pessoas que nos procuram com o mesmo tipo de problemas. Segundo elas, não há tempo a perder pois cada hora, cada dia que a criança passa com o genitor em tal estágio de degradação pessoal, representa uma diminuição das chances dela conseguir se descontaminar do ambiente deletério em que vive. Obter provas antecipadamente ou aguardar a produção das mesmas durante a instrução processual, demanda tempo que poderá ser fatal para o futuro de tais crianças.


Diante de tal dificuldade, já é normal assistirmos impotentes filhos de pais viciados principalmente em “crack”, sendo levados de roldão para o mesmo destino dos seus genitores em virtude do ambiente degradado em que vivem Vemos aí o surgimento de uma geração condenada desde cedo a ter o futuro comprometido pela total ausência de perspectivas de encontrarem um caminho saudável para vivenciarem uma infância digna e feliz.

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS




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