segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A COLIGAÇÃO



CRÔNICAS DA VILA NORTE

A COLIGAÇÃO 

Tudo ocorreu em um domingo há quase vinte dois anos atrás. O sol quente das primeiras horas da tarde parecia acentuar ainda mais o clima de monotonia que reinava na Vila Norte, acelerando também os efeitos da cachaça barata que era ingerida pelos homens reunidos do lado de fora do “boteco” do meio da quadra da Rua Alfredo Carvalho. A medida em que os sucessivos “martelinhos” iam sendo absorvidos, esquentavam também os ânimos dos homens, envolvidos que estavam em uma discussão que girava em torno da política.

Sentado sob a sombra de um pinheiro, eu observava atento, pois sempre me senti fascinado pelo espírito comunitário que impera nas rodas dos bebedores de cachaça. Todos bebem, não ficando ninguém de fora, não importando quem paga. Mesmo aqueles que na chegada se diziam “estar duros”, após alguns goles, como que por magia, descobrem que tinham nos bolsos uma cédula perdida, que naturalmente será utilizada para pagar “mais uma”. Normalmente, no dia seguinte irá faltar alguma coisa nas já minguadas refeições daqueles homens, quase todos operários mal remunerados.

Durante os debates ali travados, passaram em pauta os mais diversos assuntos políticos. Dividiam-se as opiniões sobre quem ganharia para governador do Estado nas próximas eleições, porém, o assunto que mais causava polêmica era sobre qual dos partidos políticos, o PMDB ou PDT, teria direito à herança política deixada pelo ex-presidente Getúlio Vargas. Nesses momentos o “seu Candinho”, um aposentado da Viação Férrea, com os olhos injetados de ácido etílico e de saudosismo, contava histórias sobre como eram bons para os trabalhadores, aqueles tempos em que vivíamos sob o governo daquele que, ao se referir, ele chamava de “o nosso último grande caudilho”.

Eu, cá com os meus botões, fiquei fazendo comparações, analogias entre a cachaça e a política. Ambas têm pontos em comum, sendo que um deles é o fato de que servem para embriagar, desviando o pensamento dos humildes de suas tristes realidades. Eles, sob o efeito da aguardente, criam as mais incríveis soluções para problemas seculares, daqueles que vêm afligindo os governantes e filósofos através dos tempos. A política, por outro lado, tem o poder de semear esperanças nas mentes simples destes operários, fazendo-os sonharem com o dia em que, se eleitos os seus favoritos, poderão comer ao menos uma vez por dia, um bom bife com batatas fritas.

Da cachaça, sempre “batizada” com uma generosa dose de água por conta do dono da “birosca”, só resta no dia seguinte uma incrível ressaca que eles tentam curar através de chazinhos, cujos benefícios eles aprendem oralmente e são transmitidos de geração em geração. Isso para que não percam um dia de trabalho, sob pena de serem demitidos.

Da política, passadas as eleições, sobra apenas a desilusão, com o conseqüente recolhimento dos candidatos vencedores às suas redomas criadas pelo poder. Não mais candidatos nas vilas, não mais sorrisos, não mais o orgulho de ter apertada a mão e ter escutado de um deles, palavras de esperança, de incentivo. Apenas o antigo esquecimento.

Estava eu perdido nessas divagações, quando de repente fui trazido de volta ao cenário pelos gritos exaltados dos componentes do grupo de amantes da “purinha”. Acontece que o “seu João Carpinteiro”, sentindo-se ferido em seus brios, resolveu partir para a mais antiga maneira de decidir questões pendentes, isto é, a agressão física. O agredido foi o “seu Antão”, um homem negro que, embora de idade avançada, tem uma estrutura física avantajada, conseqüência de longos anos de trabalho braçal como “coqueador” de sacos, sendo que no “entrevero”, até “ferro branco” surgiu, não se sabe de onde. Felizmente todos estavam em adiantado estado de embriaguez, não conseguiam os oponentes nem mesmo se manter em pé por suas próprias forças, quanto mais brigar.

A coisa não ia passar do “já te pego”, “já te largo”, não fosse a intervenção do dono do bar, em cujas qualidades não se pode enumerar a de ter paciência. Deu de mão num relho trançado que ele guarda estrategicamente pendurado em um dos toscos armários de seu estabelecimento, usado para resolver “pendengas” surgidas entre seus habituais fregueses e para aplicar penas aos maus pagadores, aqueles que acham que o preço está além daquilo que eles realmente beberam. Distribuiu ele cinco ou seis “relhaços” nas costas dos brigões, fazendo com que os mesmos tentassem uma retirada honrosa e nesse afã, tropeçassem um no outro, caindo ambos enrodilhados no chão. Mais algumas bordoadas foram desferidas e eles, ao tentarem escapar, notaram que não havia saída; somente apoiados um no outro poderiam fugir da ira do comerciante. E assim aconteceu: lá se foram eles abraçados, humilhados rua afora, emitindo gemidos de dor (pois um relho trançado não deixa dúvidas) e proferindo palavrões e promessas de vingança.

Encerrou-se sem maiores incidentes o fato, restando apenas as considerações comentários dos vizinhos abelhudos que, ansiosos por novidades, haviam deixado seus afazeres de lado para assistirem ao evento.

Quanto a mim, para não dizer que nada aprendi com o ocorrido, posso afirmar que pelo menos uma coisa ele teve de positivo; descobri que a cachaça, frente às circunstâncias adversas que se apresentaram para os nossos ferrenhos opositores, conseguiu uma coisa que antes, durante as discussões, parecia impossível, isto é, a COLIGAÇÃO entre o PMDB e o PDT.


Jorge André Irion Jobim


Publicado no sitehttp://www.artigonal.com/cronicas-artigos/a-coligacao-886771.html

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http://www.webartigos.com/articles/18691/1/a-coligacao-/1.html

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