De início, devo deixar claro que não gosto do Natal, assim como não gosto de outras datas que incentivam as pessoas ao consumismo desmedido. Impreterivelmente, é uma data em que ficam mais transparentes as desigualdades sociais, já que algumas poucas crianças ganham presentes caríssimos e participam de lautas refeições, enquanto outras tantas têm que entrar em alguma fila de doações para ganhar um presentinho qualquer e algum cachorro-quente acompanhado com um copo de um refrigerante barato.
Se o Natal possuía algum significado mais profundo, ele acabou se diluindo na força irresistível do apelo da orgia de consumo que só favorece ao capitalismo, insensível a tais desigualdades.
Nessa época, sempre me acorrem de maneira mais intensa, já que eu as tenho presentes diuturnamente desde que as vi acontecerem, algumas situações que eu assisti com meus próprios olhos e que me marcaram sobremaneira.
Uma delas, foi a cena de um menino na frente de uma loja de brinquedos na Rua do Acampamento, em cuja calçada estavam expostos alguns brinquedos. Entre aqueles objetos do desejo de qualquer criança, estava um caminhãozinho grande, com direção, alavanca de mudanças, pedal de freio, enfim, parecia um veículo verdadeiro. O menino mal vestido e de pés no chão, talvez consciente de que nunca poderia almejar ter um brinquedo daquele porte, à distância, utilizando-se apenas da própria imaginação, movimentava as mãos e reproduzia com a boca o som de um carro, como se ele próprio estivesse dirigindo e tocando o objeto que lhe era impossível adquirir.
Aquilo sensibilizou várias pessoas que passavam pelo local e percebiam a cena comovente. Eis que de repente, um rapaz uniformizado, evidentemente contratado para fazer a segurança da loja, aproximou-se do menino e mandou-o se afastar dali pois estaria atrapalhando os fregueses. Como o garoto não obedeceu, ele acabou pegando-o pelo braço e levando-o para longe, mesmo diante da manifestação de repúdio de algumas pessoas que estavam por perto. Ele parecia orgulhoso e seguro de estar cumprindo um dever sagrado. Ou seja, era o espírito do natal capitalista aflorando na atitude daquele segurança. O menino mal trajado e despossuído estava atrapalhando o trânsito das pessoas com poder aquisitivo para levar para casa os produtos expostos.
Era na verdade, alguém a quem pagam um salário irrisório que o coloca um pouco acima da condição de indigente, reprimindo pessoas em condições de total miserabilidade com o objetivo de proteger o vasto patrimônio de empresas caracterizadas pela impessoalidade inerente às modernas técnicas de gestão de recursos humanos que, tão logo não precisem mais dele, o colocarão no olho da rua sem pensar no drama que irão causar em sua vida e sem contar com o fato de que então, ele voltará à mesma condição daquelas pessoas as quais ele um dia reprimiu.
Diante de cenas assim, eu me pergunto: será que aquele menino que nasceu há mais de dois mil anos, que teve como berço uma simples manjedoura ficaria feliz assistindo ao show de artificialismo e consumismo em que transformaram a data do seu nascimento? Será que ele não teria a mesma reação que teve quando, percebendo que seu local sagrado havia se tornado um local de comércio e de exploração, investiu irado contra os vendilhões do templo munido de um chicote expulsando-os dali?
Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Publicado no jornal Diário de Santa Maria no dia 23 de Dezembro de 2.008
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